Por Júlia Corrêa
A reabertura das instituições culturais na capital paulista evidenciou uma demanda reprimida por lazer. O público que voltou a frequentar esses espaços é menor do que antes da pandemia, mas a alta procura de ingressos para atrações como a exposição d’OsGêmeos na Pinacoteca mostra que há quem esteja disposto a tomar todos os cuidados para voltar a se divertir na rua.
O psicólogo Rodrigo Acioli, conselheiro do Conselho Federal de Psicologia (CFP), explica que a ideia de descanso vai além do deitar e ficar na cama até tarde. Segundo o especialista, passa por realizar ações que rompam com a repetição da rotina.
“Intelectuais ou físicas, essas atividades trazem novas sensações e conexões neurais, que tiram a pessoa do cenário comum.” Isso explica por que, durante a quarentena, idas rápidas à padaria tornaram-se um “grande evento”, exemplifica.
Para o psicanalista Felipe Pimentel, o isolamento obrigou as pessoas a buscarem o lazer com elas mesmas. “Vivemos num mundo repleto de serviços e, na falta deles, as pessoas precisaram usar a sua criatividade. Isso mostra que, para muitos, o lazer estava meio prêt-à-porter, entregue pronto”, avalia.
A estudante de artes Carolina dos Reis, de 21 anos, brinca que sempre foi “rolezeira”. Em tempos normais, ia a museus tanto por conta própria quanto para reforçar as lições da faculdade. Mas seu lazer não se restringia às artes: ao menos duas vezes por semana, buscava ir ao cinema e, às sextas-feiras, não perdia a roda de samba do Bexiga.
O engenheiro Miguel Falci Jr., de 63 anos, também aproveitava assiduamente as possibilidades de lazer da cidade. “Para mim é vital; a minha sanidade depende disso”, afirma ele, que, assim como Carolina, não abria mão de visitar exposições e de ir a cinemas de rua. “Durante a semana, eu saía do trabalho e ia direto ao cinema, emendando às vezes dois filmes. Teve um sábado em que cheguei a assistir a seis na sequência”, conta.
Se Carolina recorre à arte em momentos difíceis, não foi diferente na quarentena. “Mergulhei na arte, vi exposições e peças online. Tenho amigos que torcem o nariz. Eu sei que se trata de uma experiência diferente, então não chego esperando que vá ser a mesma coisa.” A estudante ainda pondera que, por ter nascido em uma geração habituada ao virtual, as adaptações pelas quais precisou passar nesse contexto foram pontuais, como organizar uma pausa para conferir determinada atração. Miguel, por sua vez, confessa que nem se interessou pela programação online: “Não vejo graça, não me toca”, afirma ele, contando que preferiu aproveitar os filmes e discos que tinha em casa, assim como mergulhar na leitura de livros.
Essas readequações, no entanto, não significam que Carolina e Miguel perderam o entusiasmo com as atividades externas. Assim que pôde, aliás, o engenheiro decidiu voltar a comer fora. “Sinto falta de conviver com as pessoas. Sou muito fiel aos restaurantes que frequento, converso com os garçons… Com máscara ou sem máscara, o olho no olho é fundamental.” Esse sentimento de Miguel coincide com a avaliação de Acioli: “No contexto inicial, por necessidade, fomos nos adaptando. Isso trouxe descobertas, busca por informações sobre o assunto, até preocupações com questões mais práticas, como usar uma cadeira mais confortável e ajustar a luminosidade da casa. Mas, depois de tantos meses, começamos a sentir um cansaço e lidar de maneira diferente”, sentencia o psicólogo.
Assim, com a possibilidade de poder frequentar novamente espaços de lazer, Carolina chegou a hesitar, mas, ao se informar sobre os protocolos adotados em muitos deles, encorajou-se para visitar a mostra de uma artista que admira, recém-aberta no Masp: “Sou apaixonada pela Trisha Brown, então pensei: vou ter que ver. Quando pisei no museu, foi estranho ver tudo diferente, mas me dei conta que fazia sentido, pois o mundo está diferente” Para este ano, Miguel tinha feito a assinatura dos concertos da Osesp e da Cultura Artística. Com as readequações da Sala São Paulo, matará a saudade da programação de música clássica no dia 7 de novembro. Também já reservou seu ingresso para a disputada mostra d’OsGêmeos.
Como explica Pimentel, muitas atividades de lazer exercem uma função maior do que a do mero divertimento. Atrações como uma partida de futebol ou um concerto musical geram a sensação de identificação entre indivíduos, que, naquele contexto, partilham das mesmas emoções. Especialmente depois de meses de isolamento, esse sentimento acaba cumprindo, em um sentido psicanalítico, um “espaço mental muito grande na vida das pessoas”.
Nessa mesma lógica, Acioli avalia que, mesmo com as restrições ainda necessárias, o momento pode tornar mais afetuosa a relação com tais atividades. “Havia quem saísse só para cumprir o social; ia almoçar com os amigos, mas não largava o celular. Agora, podemos passar a dar mais valor a esses atos.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.