Entre uma viagem e outra das milhares de locomotivas pelas linhas férreas Brasil afora há também uma coleção de histórias. Os personagens são mulheres e homens que combinaram o ofício de conduzir com a vocação pela ferrovia. Gente que ama o trem, que adora as paisagens únicas do caminho ferroviário, que transforma a paixão pelo trabalho em sustento da família e combustível para muitos sonhos. Na última terça-feira (20), foi comemorado o Dia do Maquinista.
Na VLI, companhia de soluções logísticas que integra ferrovias, terminais e portos, elas e eles são mais de mil. Indyanara Xavier, 27 anos, integra esse grupo há pouco tempo. Primeiro, ela se encantou com a logística nas aulas de Gestão da Produção Industrial. A curiosidade a levou para o curso técnico de operadora ferroviária. Tão logo a atividade terminou e ela já estava, lá, na seleção de vagas promovida pela empresa. A presença majoritariamente masculina no processo seletivo não diminuiu o interesse pelo trabalho. “Eu perguntei se mulheres poderiam participar. Disseram que não tinha restrição. Acredito que, aos poucos, essa percepção errada de que a ferrovia não é lugar de mulheres está se desfazendo. Espero ajudar nisso”, comenta.
Indyanara está certa. O incentivo a equidade de gênero em posições ocupadas tradicionalmente apenas por homens é uma tendência do mercado. A VLI tem atualmente 13% dos cargos ocupados por mulheres e, por isso, busca promover e incentivar a inserção de mais mulheres nas áreas operacionais por meio do movimento Elas na Logística.
A posição de operador (a) ferroviário (a) é o primeiro passo para uma pessoa tornar-se maquinista. Não há cursos de formação e as empresas do setor capacitam internamente suas equipes para esse cargo. Indyanara começou como operadora e foi promovida a maquinista de manobra, este ano, depois de passar em 1º lugar numa prova que considera o nível de conhecimento sobre o Regulamento de Operação Ferroviária – um tipo de manual com regras e orientações.
No dia a dia, ela trabalha no pátio ferroviário de Ribeirão Preto realizando manobras nos trens, separando os vagões destinados à manutenção e os ativos que seguem em circulação. O plano da jovem é seguir trilhando novas posições, a tão sonhada vaga como maquinista de viagem – quando a pessoa conduz o trem por trechos longos – e um cargo de liderança como inspetora. “Eu não me acomodo com o presente. Sempre acredito que há espaço para melhorar, para crescer como pessoa e profissional”, ressalta.
Mãe que dirige um trem
No Maranhão, a paixão pelo trem também conquistou a maquinista Janaina Oliveira. “Hoje eu não me vejo atuando em outra área”, revela. Ela se dedica ao transporte de cargas na região de São Luís, capital maranhense, onde trabalha desde 2017. A trajetória no setor soma mais de uma década, são 15 anos como ferroviária, 13 deles como maquinista.
Para Janaina, muito mais que um meio de gerar renda, a profissão lhe proporciona bons momentos, seja no trabalho ou em casa, onde recebe o carinho e admiração da filha Letícia Oliveira, de 11 anos.
“Uma das melhores partes do meu trabalho são os cenários que tenho ao longo do trajeto. A gente consegue ver desde o raiar ao pôr do sol, é revigorante. No fim do dia, quando chego em casa e recebo um abraço da minha filha, toda orgulhosa pela ‘mãe que dirige um trem’, como ela fala para todo mundo, é combustível suficiente para mais um dia de trabalho. Ela é minha motivação diária para o trabalho e para os estudos”, afirma a maquinista, que está prestes a se formar em Logística para se desenvolver ainda mais no setor.
O pequeno espectador
No Tocantins, Wanderson de Castro Melo, 29 anos, sendo seis como maquinista, conduz trens formados por 160 vagões (mais de três quilômetros de extensão e cerca de 15 mil toneladas de grãos por viagem). Da rotina, ele retira muitos aprendizados e a satisfação é tão grande quanto as composições que ele conduz. “Tenho muito orgulho de contribuir para a economia do país. Cada viagem, cada carga entregue é uma ajudinha minha”, destaca.
Para ele, contar do ofício é sempre uma viagem e uma cena, um espectador, em particular, conecta o trabalho e a família. “Sempre que passo em uma fazenda, após a cidade de Araguaína (TO), aparece uma criança de uns seis anos, que ao escutar o barulho da locomotiva vai para a porteira e fica acenando e pulando. Isso me deixa muito feliz. Fico pensando na paixão que esse pequeno tem pelo trem. Talvez um dia ele seja maquinista também. Lembro do meu filho”, finaliza.