O Theatro Pedro II comemora neste mês 90 anos de existência. Nove décadas que mesclam pujança cultural, política e social – no seu início-, decadência, catástrofe e ressurgimento relembrando parte dos áureos tempos. Mas essa história de 90 anos poderia ter sido abreviada, justamente na época do seu cinquentenário, quando um incêndio destruiu grande parte de sua estrutura. O prédio era cobiçado para se transformar em centro empresarial, no entanto, ações políticas e a interferência da sociedade não permitiram essa manobra, proporcionando o seu renascimento. Parte dessa história não está devidamente registrada. O Tribuna apurou alguns fatos de bastidores que foram cruciais para que o Pedro II continuasse cartão postal da cidade.
Um desses fatos envolve as famílias Biagi – tradicional em nossa região – e Marinho, das Organizações Globo, e ocorreu no início dos Anos 90. Os empresários Maurílio Biagi Filho e Roberto Marinho se conheciam por conta de agendas empresariais e de negócios. Tinham amigos em comum.
Em 1992, Roberto Marinho foi convidado juntamente com a esposa Lily, para conhecer a região e principalmente o polo agroindustrial, referência nacional na produção de açúcar, etanol e equipamentos pesados para usinas.
Maurílio Biagi conta que os convidados foram recepcionados por sua família para um almoço na Fazenda Vassoural, em Pontal com a presença de muitos convidados. “E um muito especial, o inesquecível amigo Jornalista Joelmir Beting”. Mas a iniciativa, que aconteceu antes desse encontro, foi fundamental para a sobrevivência do Pedro II.
Vera, esposa de Maurílio, em conversa com o marido, sugeriu que conversasse com Marinho sobre uma possível ajuda da Fundação Roberto Marinho na restauração do Theatro, que estava em estado de deterioração por conta do incêndio. “Sempre sobrevoávamos o Pedro II com pessoas convidadas que vinham visitar a cidade e víamos que a situação piorava cada vez mais”, lembra Biagi.
Maurílio conta que argumentou com a esposa, que seria ela a pessoa mais indicada para falar sobre o assunto com Marinho. Vera elaborou um dossiê explicando a história e o que o prédio representava, além de ressaltar os detalhes importantes para o possível apoio da Fundação Roberto Marinho na restauração.
A solicitação foi realizada depois do almoço, na despedida do casal visitante. Maurílio comentou com Roberto Marinho que Vera gostaria de trocar uma ideia sobre o patrimônio cultural mais importante da região. Maurílio lembra que Roberto Marinho deixou Vera à vontade na conversa.
Ela explicou ao empresário a importância do Pedro II, o terceiro maior teatro de ópera do país, e perguntou se a Fundação não poderia abraçar a restauração. Roberto Marinho respondeu que não poderia prometer que a Fundação assumiria o compromisso, mas que assim que chegasse ao Rio de Janeiro entregaria a solicitação à pessoa certa com uma recomendação, pois gostou muito da atitude de Vera ao pedir apoio para o Pedro II.
Poucos meses depois, Maurílio foi informado que Maria Augusta Mattos, a Guta, uma das executivas das Organizações Globo, viria a Ribeirão Preto para fazer um estudo técnico e avaliar a conveniência da Fundação apoiar a restauração.
Natural de Ribeirão Preto, Guta era amiga da família de Vera e ficou na cidade uma semana colhendo as informações. Quando voltou ao Rio de Janeiro, apresentou um relatório favorável e o projeto foi aprovado.
Maurílio lembra que depois de todos os acertos, a Fundação começou a captar os recursos necessários para a restauração. Recorda também que deu uma ajuda especial no contato com o diretor da Andrade Gutierrez, Roberto Amaral, e a empresa contribuiu de forma significativa. Os recursos foram decisivos, pois serviram para dar início às obras. No final de 1992, o ex-prefeito Welson Gasparini foi ao Rio de Janeiro assinar o convênio.
Em 2005, Lily Marinho veio a Ribeirão Preto convidada pela Feira do Livro e Vera e Maurílio a homenagearam com um almoço seguido de uma visita ao Theatro onde, na presença de alguns convidados, dentre eles a atual presidente da Fundação Pedro II, Mariana Jábali, entregaram um ramalhete de flores e uma singela e justa homenagem in memoriam para Roberto Marinho.
As nove décadas do Pedro II
Inauguração em 8 de outubro de 1930 – Por mais de 30 anos, foi o principal polo cultural da cidade.
Entre as décadas de 1950 e 1970, o subsolo do teatro foi transformado em salão de bailes de carnaval. Fora do período carnavalesco, era transformado em sala de jogos. O local ficou conhecido como “Caverna do Diabo”.
Na década de 1970, o prédio arrendado por uma companhia exibidora de filmes, passou por uma reforma que o descaracterizou. Vários elementos decorativos foram destruídos, a plateia foi reduzida e placas de madeira encobriram camarotes, frisas e galerias laterais para transformá-lo em cinema. Dos seus 2.000 lugares restaram apenas 800.
Em 1978, o teatro já estava fechado ao público devido ao péssimo estado de conservação.
Em 15 de julho de 1980, um incêndio destruiu a cobertura, o forro do palco e grande parte do interior, incluindo-se o teto.
Em dia 7 de maio de 1982, o prédio foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo).
Em maio de 1991 teve início a primeira etapa de restauração e modernização do teatro. Em janeiro de 1993 começou a segunda etapa. A reforma durou cinco anos.
Em agosto de 1996 foi reinaugurado.
Theatro poderia ter sido transformado em banco
Depois das primeiras décadas de auge e glória, o Theatro Pedro II passou por algumas transformações que descaracterizaram suas origens. Virou sala de jogos, de cinema e quase foi transformado em escritório regional de uma grande instituição financeira. Isso só não aconteceu por conta de ações políticas que provocaram o tombamento do prédio.
A primeira ação foi bem antes do incêndio que destruiu boa parte do Pedro II. Em 1973, o então vereador Flávio Condeixa Favareto, elaborou um projeto de lei, aprovado pela Câmara de Vereadores, determinando o tombamento do Theatro, já antevendo uma possível ação de venda do imóvel e sua descaracterização total.
Em julho de 1980, quando era sala de cinema, ocorreu o incêndio. “Estávamos na sessão da Câmara, cujo prédio era no cruzamento das ruas Duque de Caxias e Barão do Amazonas [onde funciona hoje o Marp – Museu de Arte de Ribeirão Preto]. A Câmara era ali, portanto a 300 metros do Pedro II. Fomos a pé e vimos o incêndio. Chorei porque parte da minha infância tinha passado naquele lugar”, lembra o então vereador, e posteriormente deputado estadual e federal, Corauci Sobrinho.
“Não tinha muito que fazer. Voltamos na mesma noite para a Câmara e criamos uma Comissão Pró-Restauração, eu, o Flávio Condeixa Favareto e o Antônio Calixto”, conta.
“O trabalho inicial da Comissão reuniu nomes da sociedade na área cultural, como Maurício Cagno, Débora Duboc, o pessoal do Cauim, como o Fernando Kaxassa e Odônio dos Anjos. Fizemos vários encontros e o objetivo era não deixar o Pedro II no esquecimento. Manter viva a memória e buscar a restauração”, ressalta Corauci.
A Comissão se desfez naturalmente. Nas eleições de 1982, Calixto foi eleito vice-prefeito, Favareto não se reelegeu. No entanto, Corauci ganhou outro aliado, o então vereador Wilson Toni [que posteriormente foi eleito deputado estadual e ocupou a Secretaria Estadual da Promoção Social].
Em 1985, Corauci e Toni se reuniram com o então presidente da Antártica, Francisco Pizarro. Eles pediram a cobertura do Pedro II para evitar mais estragos por conta das ações climáticas, como sol e chuva.
No primeiro trimestre do mesmo ano, outra ação importante. Uma reunião com Modesto Carvalhosa, então presidente do Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. Corauci solicitou o tombamento do prédio. Uma comissão do Condephaat veio a Ribeirão Preto e no final do mesmo ano o tombamento aconteceu.
“Voltamos ao Paizano e com o tombamento, solicitamos a cobertura. A Antártica fez um projeto obedecendo as normas originais e arquitetônicas e mandou cobrir. Isso poucos sabem”, relembra Corauci. “O tombamento e essa cobertura foram os primeiros grandes passos para salvar o Pedro II”, acrescenta.
O ex-deputado lembra ainda que nesse período havia uma opção de venda do Quarteirão Paulista para uma grande instituição financeira. “Queriam comprar e construir uma agência regional do Bradesco, mas o tombamento impediu que esse isso ocorresse. Senão não teríamos hoje nem Pedro II e nem Quarteirão Paulista”.
Em 1986, Ribeirão Preto elegeu cinco deputados estaduais: Corauci Sobrinho, Wilson Toni, Wagner Rossi, Antônio Calixto e Marcelino Romano Machado. Corauci ressalta que essa força política também foi importante nas ações que futuramente proporcionaram a restauração do Pedro II. “Toda terça-feira o governador Orestes Quércia se reunia com os deputados da nossa região. Eu sempre dizia sobre o Pedro II. Ele dizia que estava estudando o assunto. Um dia ele falou: – ‘Você vai falar do Pedro II. Mas vou adiantar, vamos resolver’. Na outra reunião, eu não falei e ele perguntou se eu não iria abordar o assunto. Eu disse que não, porque ele falou que iria solucionar. Foi então que ele anunciou que ira desapropriar a área e passar para a prefeitura de Ribeirão Preto. Isso em 1989”. Com a desapropriação, o próximo passo foi a restauração. “Foi uma luta desde 82 com vários personagens políticos, da sociedade e artistas”, finalizou.