Tribuna Ribeirão
Cultura

Sofia Coppola revela como o conflito geracional permeia ‘On The Rocks’

Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão

Os filmes de Sofia Coppola sempre têm pelo menos uma dose de humor. Mas, depois do melodrama psicológico com elementos góticos O Estranho Que Nós Amamos (2017), pelo qual ganhou o prêmio de direção em Cannes, ela queria fazer algo mais leve, que fosse contraponto ao estado das coisas no mundo. “Eu realmente estava a fim de assistir a algo divertido, pouco desafiador e nada estressante”, disse ela em entrevista exclusiva ao Estadão. Assim nasceu On the Rocks, que entra no ar nesta sexta, 23, no Apple TV+. O longa foi inspirado nas comédias sofisticadas, várias delas românticas, que ela costumava assistir desde criança, mas raras hoje em dia. “Queria algo para elevar o espírito, mas que também tratasse de coisas que estamos pensando agora.”

On the Rocks marca sua reunião com Bill Murray, com quem trabalha pela terceira vez, e Rashida Jones, que também esteve no especial da Netflix A Very Murray Christmas. “Foi muito bom trabalhar novamente com Bill porque agora eu o conheço bem, somos amigos”, disse a cineasta. “Não me sinto tão intimidada quanto em Encontros e Desencontros, quando eu estava começando. É sempre empolgante estar com ele.”

Jones é a nova-iorquina Laura, que anda desconfiada de uma traição do marido Dean (Marlon Wayans). Não demora muito para ela ser convencida por seu pai, Felix (Murray), a virar espiã para descobrir a verdade. A bordo de um carro conversível, como convém a um playboy, os dois percorrem as ruas de Nova York, com a cidade servindo como personagem mais do que cenário. “Para mim, sempre é emocionante, vindo do aeroporto, ver o skyline de Nova York novamente”, disse Sofia, que mora lá há vários anos.

A aventura serve não apenas como uma sacudida na vida modorrenta da escritora Laura, que está insegura em relação à maternidade, ao casamento e à carreira, mas também como uma aproximação dela com seu pai, que tem visões um pouco antiquadas do mundo, em especial no que tange às mulheres. Felix é de outra geração, como o próprio pai de Sofia, o cineasta Francis Ford Coppola, nascido em 1939, e o pai de Rashida Jones, o maestro Quincy Jones, de 1933.

A atriz disse que gostou do filme justamente por abordar esse assunto tão atual, o conflito entre o modo de pensar de alguém mais jovem com aqueles de outra época, uma tarefa ainda mais complicada se existe amor envolvido. “Há um limite para alguém de uma certa geração se transformar”, disse Rashida Jones. “E agora a cultura está mudando tão rapidamente que é muito difícil de acompanhar. Então, existem pontos em que dá para ter conversas sinceras e outros que não. Laura tem dificuldade de se expressar e dizer ao seu pai o que pensa de suas teorias e filosofias. E aí ela explode, o que também não é bom. Mas claro que é preciso dizer quando não se concorda com algo essencial para sua identidade.” Para Marlon Wayans, não dá para ter bronca dos seus pais e tios por terem sido criados de maneira diferente “Eu os aceito como são, mas, ao mesmo tempo, vou tentar ensinar a eles o máximo que puder.”

No filme, Felix diz a Laura que ela deveria começar a pensar como homem. “De vez em quando, ouço conselhos do ponto de vista masculino, mas sempre fui em frente com o que me interessa, de acordo com meu próprio ponto de vista”, contou Sofia. Rashida Jones afirmou admirar a cineasta por defender o que pensa. “Ela sabe quem é enquanto diretora. E esteve à frente do seu tempo. Porque agora acho que as pessoas estão mais interessadas em vozes diversas – não acredito que ainda estejamos usando essa linguagem quando se trata do equilíbrio entre mulheres e homens e outros aspectos em Hollywood. Mas sempre achei intrigantes as pessoas que continuam sendo quem são e sabem qual é sua voz, num mundo que constantemente tenta nos dizer como um líder deve se comportar. E, na verdade, você apenas precisa ser verdadeiro consigo mesmo. Sofia é.”

O quanto Sofia Coppola, que também escreveu o roteiro, inspirou-se na sua relação com o pai é algo que ela, discreta como é, jamais revelaria por completo. Mas Francis Ford também cantava para ela, como Felix, por exemplo. E é um homem de personalidade intensa. A diretora, que se define como a filhinha do papai, continua trocando informações com Francis Ford. “Meu pai permanece super entusiasmado com o cinema. Ele assiste a filmes o tempo inteiro. É sempre divertido conversar com ele e saber o que anda pensando sobre isso”, disse Sofia. Francis Ford não dirige desde 2016, e seus últimos trabalhos foram longas independentes e modestos, bem distantes das grandes produções como O Poderoso Chefão e Apocalipse Now. Mas ele pretende lançar em breve uma nova versão do polêmico O Poderoso Chefão 3, que tem Sofia como atriz.

Para os Coppola, cinema e família sempre andaram juntos. A mãe de Sofia, Eleanor, também é cineasta, assim como a sobrinha Gia. Seu irmão Roman é roteirista e produtor. Os primos, Nicolas Cage e Jason Schwartzman, são atores, bem como a tia Talia Shire. No começo da pandemia, quando as coisas começaram a ficar dramáticas em Nova York, o maior epicentro nos Estados Unidos, ela correu para a propriedade do pai, no norte da Califórnia. Lá, Francis Ford chegou a abrigar 22 parentes e promovia sessões de cinema, com títulos escolhidos exclusivamente por ele. Agora, enquanto o mundo ainda lida com a covid-19, Sofia sonha que On the Rocks ofereça algum alento. “Espero que as pessoas possam assistir no conforto de seu lar e que apreciem. O filme é sobre família e uma cidade que amamos, especialmente agora, que não podemos viajar. Minha esperança é de que as pessoas gostem.”

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