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A natureza como inspiração artística

Se a natureza preservada é, inequivocamente, um tema de inspiração recorrente para o poeta, o músico, o pintor e o fotógrafo, verdade também é que os artistas são essenciais interlocutores da degradação do mundo natural. Segundo o escritor americano Ezra Pound, os artistas são as an­tenas da raça. Para o poeta mexicano Octavio Paz, o artista tem um lugar importante na sociedade e é merecedor de um respeito especial pela sua sensibilidade e criatividade.

Como se sabe o fazer artístico evoca inovação e o fazer burocrático evoca repetição. As decisões afetas ao nosso futuro estão concentradas em mãos burocráticas, infelizmente. Fundos de investimentos, bancos e grandes empresas de minérios não são geridos por dramaturgos, cine­astas, dançarinos ou ceramistas. A complexidade para acessar e se servir dos serviços públicos, em muitas situações,contribuem para distanciar as comunidades das instituições do Estado.

Entrar em contato com a natureza preservada ou pouco alterada por meio de obras artísticas é um deleite, um encantamento, mas às vezes, tam­bém, uma angústia, pois as ameaças aos ecossistemas naturais se multiplicam. A exuberância, a diversidade e o acaso das paisagens naturais nos maravi­lham de modo inequívoco. Imaginem um passeio de barco no delta de um grande rio, onde um mar repleto de ilhas e corais, lhe convida para banhos refrescantes! Como gostaríamos de retratar uma experiência como essa?

À medida que atividades humanas mal planejadas, com interesses econômicos imediatistas, começam a provocar impactos ambientais nega­tivos nos meios físico e biológico, e consequentemente em comunidades locais, começa-se a presenciar a decadência daquela região e daquela na­ção. É o que está a acontecer com o Brasil. Dias atrás vi uma foto em um jornal onde uma família que se banhava numa bonita cachoeira no Mato Grosso, ao mesmo tempo observava uma cortina de fumaça no céu não muito distante de onde estavam. Aquelas pessoas num momento de lazer sentiam medo. Para mim soou muito simbólico: já estamos vivenciando um declínio civilizatório.

A arte pode e deve denunciar problemas e conflitos socioambientais. Há muitos autores e produtores de arte que se colocam nesse front. O multiartista paraense Bené Fonteles indaga “por que produzir uma arte apenas para a sensação dos sentidos quando o discernimento da mente e da alma nos solicita mais responsabilidade com a matéria, a palavra, o pensamento e a obra?”
Certa ocasião, no auditório do Sesc Ribeirão, perguntei à uma escrito­ra talentosa, o que seria da literatura em um mundo onde o clima fosse hos­til e a natureza estivesse toda poluída e deteriorada. Os escritores costumam ter um olhar muito especial e particular para os conflitos humanos e eu espe­rava uma grande resposta. Ela respondeu contando de sua experiência com poda drástica em árvores do Rio de Janeiro, cidade onde reside. Senti que o assunto era um pouco pesado para um momento tão mágico por estarmos na companhia de uma grande escritora. Também percebi que não havia ficado satisfeito com a resposta e permaneci com aquela indagação…

Anos mais tarde, em 2019, acompanhando um seminário sobre Jung e Ecologia, organizado pelo Núcleo de Estudos Junguianos “Nise da Silvei­ra”, de Ribeirão Preto, pude assistir a uma palestra do psicanalista Roberto Gambini, cujo título era “A árvore mutilada: em busca do símbolo perdi­do”. O palestrante nos disse, entre outras informações interessantíssimas, que as árvores são seres dadivosos e o que explica nosso ataque às suas copas com podas drásticas, é o fato da natureza ter perdido sua sacralida­de. Ainda segundo Gambini, o símbolo cataliza energia psíquica e a poda é o que impede; é a mutilação.

Quando Millôr Fernandes cunha a frase “A coisa mais civilizada do mundo é uma bela árvore”, penso ser muito provável que ele tenha conhecido em meio à paisagem carioca onde viveu, lindos ipês, majes­tosos jequitibás ou frondosos jatobazeiros. Que frases são cunhadas por crianças que veem árvores mutiladas todos os dias?

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