Tribuna Ribeirão
Cultura

Álbum traz catorze raridades de Tom Zé

Criador de uma das lingua­gens mais particulares da mú­sica brasileira, Tom Zé acaba de ter a produção menos visível de um importante período de sua vida, compreendido entre 1969 e 1976, organizada pelo pesquisador e jornalista do Es­tadão Renato Vieira. O álbum “Raridades” traz 14 faixas de gravações que poucos ouviram recuperadas dos arquivos das companhias RGE e Warner, que hoje detém os registros da Continental.

Tom gravou al­guns compactos simples e canções para projetos espe­ciais que não tive­ram vida longa ou se tornaram apenas versões para colecio­nadores. Dispostas cronologicamente, é possível entender o desenvolvimento de seu pensamen­to musical desde o momento posterior à sua vitória no IV Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, até o ano em que lança “Estudando o samba”, o álbum que levaria 14 anos para ser valorizado, a partir de um lançamento feito pelo roqueiro David Byrne.

João Araújo, que viria a ser um dos criadores da Som Livre, havia acabado de levar Tom do selo AU, Artistas Unidos, para a RGE. Sua estreia, recuperada por Renato Vieira, foi justamen­te com um compacto simples que trazia “Você gosta”, uma par­ceria com Hermes de Aquino, no lado A, e “Feitiço” no B, as duas com arranjos do maestro Severino Filho.

O fogão na letra de “Você gosta”, segundo Tom, não era por acaso. “Era símbolo da pri­meira revolução industrial de Irará”: “Eu sei / Que você não gosta de magoar seu coração / Mas quando eu estou em casa / Derrama leite no fogão / En­quanto boto o açúcar faz o café derramar”, diz a letra. “Isso tudo estava presente, assim como o que canto em ‘Feitiço’”, diz o compositor sobre a can­ção tropicalista.

“O mercado exigia esse for­mato, o compacto. Era uma forma de vender as músicas que iam para os festivais. Só depois, eram lançadas em LPs”, diz o jornalista. Outra passagem por um festival viria logo depois, com duas músicas inscritas agora no V Festival de MPB da TV Record. Tom competia com “Jeitinho dela” e “Bola pra frente”, que seriam gravadas às pressas também em compacto.

“Jeitinho dela” tem um sabor ainda mais especial: registrada ao vivo no festival, Tom Zé, em versão raríssi­ma, canta ao lado dos Novos Baianos, grupo que devia uma porção de sua existência a ele. Foi Tom quem apresen­tou Moraes Moreira, o motor intelectual da formação, ao poeta Luiz Galvão.

“Pensei em montar em or­dem cronológica para o ou­vinte acompanhar como se desenvolve a linguagem do ar­tista. Com o passar do tempo, lá por 1970, 1971, ele se aproxima mais do bolero e do samba”, diz Renato Vieira. Além da percep­ção estética, os movimentos são regidos também pelo contexto social, colocados sempre em crítica contundente e indireta.

Competições de Hebe
Foi de mais uma partici­pação em um concurso, desta vez o Movimento de Incen­tivo à MPB, feito pela apre­sentadora Hebe Camargo, na TV Record, de onde saiu mais um single. “Silêncio de nós dois”, vencedora da com­petição, entrou como a faixa principal e “Senhor cidadão” ficou no lado B antes de ser lançada em LP.

“Eu queria falar sobre a segregação que o homem das classes A e B exercia sobre os outros. E também do castigo que sofria por isso”, lembra o cantor. “Senhor cidadão / Na briga eterna do teu mundo / Senhor cidadão / Tem que ferir ou ser ferido / Senhor cidadão / O cidadão, que vida amarga / Que vida amarga.”

Havia inquietude de Tom também em “A babá”, expondo à sua maneira os confrontos dos tempos: “Quem é que ago­ra está / Botando tanto grilo na cabeça do século? / Ô de mar­ré, de-marré-de-ci / E quem é que tá / Botando piolho na ca­beça do século?”

Assim como “A babá”, “Augusta, Angéli­ca e Consolação” também foi grava­da antes, em outra versão, colocada em um compacto sim­ples. O álbum de raridades traz ainda “Quem não pode se Tchaikovski”, que havia sido lançada apenas no lado B do compacto com “Augusta, Angélica e Consolação”, com uma construção singular que une trechos do “Con­certo para violino e orquestra em ré maior, op. 35”, de Tchaikovski a sonoridades nordestinas.

“Contos de fraldas” veio de um compacto de 1974, “A dama de vermelho” foi pedida para a novela Xeque-Mate, de 1976, e “O anfitrião”, que como “Dói” aparece na voz de Beti­na, foi um desafio feito pela primeira vez por Lupicínio Ro­drigues: “Por que você não faz uma música de dor de cotove­lo?” Betina, que gravou as duas canções que aparecem como bônus, era uma cantora desco­berta pela empresária Mônica Lisboa, sucessora de Guilher­me Araújo, que pediu a Tom para fazer algo que a projetas­se, algo que não aconteceu.

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