No direito, podemos dividir ou classificar as leis por diversos critérios técnicos (ser geral, especial, restritiva etc.).
Na linguagem popular dos brasileiros tudo é lei, desde a Constituição Federal a um simples regulamento interno do condomínio em que mora, do campeonato de futebol ou do clube que frequenta. A ideia de Lei se associa à mera questão da importância que as pessoas lhe dão. Ninguém se preocupa com a origem da lei, sua estrutura formal, coisas que só afetam os que dominam esta matéria (os formados em direito).
Foi daí que surgiu um linguajar próprio do nível da instrução das pessoas, desenvolvendo um “juridiquês” que todos entendem. Nos últimos 40 anos os muitos (e graves) episódios da vida brasileira, com o avanço da criminalidade e o baixo nível da política praticada, inevitavelmente fizeram o noticiário de cada dia ser uma verdadeira rotina do baixo mundo, mais atrativo e empolgante que as próprias novelas televisivas.
O antigo jornal paulistano “Notícias Populares” que, até o final dos anos 80, retratava a nossa realidade (crimes, sexo, violência infantil, familiar, nas empresas e nos diversos meios sociais) hoje não sobreviveria com a concorrência sangrenta, generalizada.
Os brasileiros acabaram criando uma linguagem que os fazem se comunicar, certos ou errados não se importam, todos se entendem.
Fazem parte desse novo vocabulário (quase “cancioneiro”) popular brasileiro leis diversas, como as leis “seletivas”(para beneficiar os apadrinhados); as leis “encomendadas” (para atender interesse específico, como a que se destinou favorecer o violento delegado de Polícia Fleury, permitindo recorrer da sua condenação sem ser preso); as leis “negociadas” (por políticos, governantes, como as Medidas Provisórias); as leis “remuneratórias” (para dar aparência de licitude às propinas pagas em moeda circulante, à vista, com transporte na meia, cueca, mala ou caixas de papel, vide Gedel), além de outras (para terceirizações, parcerias público-privadas etc.).
A prática delituosa se espalhou no setor público que o antigo “caixa dois” (da iniciativa privada) deixou de ser algo alarmante, escandaloso.
A pandemia deste ano escancarou os desvios de recursos destinados aos doentes, internados, em estado grave. Rio de Janeiro e outros Estados tiveram prisões em razão de milhões desviados, com o envolvimento de altas autoridades locais (governador, secretário de Estado, ex-membro do Judiciário Federal, prefeito, deputada federal, ex-deputada filha de presidente de partido político), até religiosos que pregam a “lei de Deus”.
Esta pandemia tem servido para expor as carências do país, na habitação, no amparo à saúde, no desprezo aos necessitados e a deslealdade de muitos que propagam generosidade, mas só fazem o “bem” no interesse próprio. Se apropriam dos recursos públicos destinados à merenda escolar, à compra de remédios e equipamentos hospitalares imprescindíveis aos enfermos que, desassistidos, se tornam pacientes terminais, morrem. A dor e a vida de ninguém lhes é importante. Pregam o que não fazem. São falsos agentes de Deus.
Num ano eleitoral é preciso saber distinguir os que merecem credibilidade. Isto é, os que não negociam o “Pai Nosso”, nem a “Ave Maria”.