Dados do Procon de São Paulo, que servem como referência em território nacional, mostram que a quantidade de reclamações sobre problemas em compras online feitas nos últimos cinco meses, desde o início da pandemia da covid-19, chegou a 130 mil. O número supera em mais de quatro vezes o total de queixas sobre o comércio virtual registrado durante todo o ano de 2019, de cerca de 30 mil reclamações.
O crescimento exponencial do número de reclamações é tido como “pontual” pelo secretário de Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo, Fernando Capez. Ele destaca que a consciência dos consumidores sobre seus direitos, e consequentes queixas, se deve em grande parte à criação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, ainda, ao aparecimento do novo coronavírus.
“Claro que os fornecedores não estavam preparados, diante da pandemia, para fazer todas as entregas, mediante a explosão de solicitações. Mas acredito que esse crescimento se deve em razão pontual de um fator extraordinário, imprevisível e irresistível, que foi o novo coronavírus”, ressaltou.
“Uma consequência do código foi a paulatina, crescente convicção e consciência do consumidor da necessidade de defender os seus direitos. De não se conformar com uma questão errada, com um contrato padrão, com um produto que ele compra pela internet, que chega e não é aquilo que ele queria. O consumidor percebeu que reclamando, e defendendo os seus direitos, ele tinha grande chance de ser atendido”, acrescentou.
Para o secretário, o CDC, mostra que, apesar de 30 anos de idade, ainda está atualizado e contempla questões inclusive que não existiam na época da sua criação, como as compras online.
“O código do consumidor tem uma grande vantagem, ele estabelece princípios e regras genéricas, com isso ele nunca fica desatualizado, é uma legislação brilhante”, disse. “São dispositivos gerais, genéricos, mas que podem ser aplicados eficazmente. A eficiência na defesa do consumidor depende menos do código e mais da eficiência dos órgãos que atuam e procuram fazer valer os diretos que lá se encontram”, completou.
Direitos na pandemia
Segundo a advogada e especialista em relações institucionais da Proteste, Juliana Moya, pouca coisa mudou no tocante aos direitos dos consumidores no período da pandemia de covid-19. Uma exceção foi a aprovação da Medida Provisória 948, que trata do cancelamento de serviços, reservas e eventos.
“O que essa medida provisória determinou é que caso o pacote turístico, ou viagem, não pudesse ser executado tendo em conta a pandemia, a agência de viagens ou a empresa responsável não é obrigada a reembolsar o consumidor imediatamente. A empresa tem o prazo de doze meses contados a partir do fim do estado de calamidade pública, para efetuar o reembolso”, disse.
O estado de calamidade no Brasil está previsto para ficar em vigor até o dia 31 de dezembro deste ano. Assim, as agências poderão reembolsar o consumidor até 12 meses depois disso. De acordo com Moya, a recomendação é negociar a melhor saída com a empresa.
“Quando esse pacote turístico não puder ser executado, o consumidor deve tentar sempre a remarcação ou a obtenção de crédito com aquela empresa, para utilizar em um outro serviço, ou em um outro pacote no futuro. Só se essas duas hipóteses não forem possíveis, aí sim, é preciso pedir o reembolso”, ressaltou.
Um terço dos brasileiros já faz compras via WhatsApp
Os consumidores brasileiros estão utilizando mais o aplicativo de mensagem WhatsApp para a compra de produtos durante a pandemia da covid-19. A constatação faz parte de um levantamento feito pela Dunnhumby, líder global em ciência de dados do consumidor. O grupo internacional capacita empresas para utilizar estas informações e tecnologias com o objetivo de aumentar a receita e os lucros.
O estudo ouviu mais de 1.100 brasileiros e constatou que o percentual de usuários que realizaram transações pelo aplicativo cresceu em 31% desde o início da pandemia do coronavírus. O aplicativo de mensagens serviu principalmente para comprar itens frescos, como carnes (18%), frutas, legumes e verduras (23%).
O levantamento mostrou também que os brasileiros mudaram seu comportamento de compra na quarentena. Um exemplo disso é a redução do consumo de guloseimas (16%) e de refrigerantes (18%).
A pesquisa apontou ainda, que uma tendência está ganhando força: a do comportamento “econômico extravagante”. Com a restrição nos bares e restaurantes, os consumidores estão gastando mais com cervejas e chocolates na hora de abastecer a casa.
O estudo da Dunnhumby destacou também que a consolidação do e-commerce ainda não está garantida, embora a maioria dos brasileiros manterá as compras online após a quarentena. Pouco mais de 33% não vão continuar com o hábito de comprar pelos canais digitais e 30% só comprarão por conta do preço.
Segundo a Dunnhumby, é importante continuar investindo em boas experiências nas lojas físicas. Os consumidores estão buscando cada vez mais uma experiência de compra personalizada.
“É uma saída cada vez mais utilizada pelo pequeno comércio e pelas lojas de shopping que têm vendedores fotografando ou filmando os produtos”, comenta Flávia Villani diretora da Dunnhumby no Brasil.
Código de Defesa do Consumidor completa 30 anos
Reclamar pela qualidade do serviço e do produto, exigir a troca de um item defeituoso e cancelar uma compra feita à distância pode parecer atitudes banais ou comuns para quem paga por um bem hoje em dia. Mas nem sempre essas medidas foram tão corriqueiras no Brasil. Todas essas garantias só foram possíveis após a promulgação do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/1990), que completou 30 anos de vigência na última sexta-feira, dia 11 de setembro.
A lei possibilitou a implantação de entidades civis e governamentais de defesa do consumidor por todo o País, como os Procons e ONGs, levando para o dia a dia das pessoas a cultura de comprar com mais consciência e exigir qualidade e segurança dos produtos. Por outro lado, as empresas tiveram a chance de se aprimorar para atender melhor as demandas.
Entre as inovações obtidas com a legislação, estão:
– Recall de bens colocados no mercado com algum defeito: no Brasil, os recalls mais conhecidos são os de automóveis, mas a regra vale para todos os tipos de produtos;
– Arrependimento de compra feita fora do estabelecimento comercial: antes mesmo da existência massiva da internet, os consumidores já tinham o direito garantido de desistir da compra no prazo de 7 dias quando compravam à distância;
– Garantia do produto: antes do CDC, não existia a obrigatoriedade de fabricantes de produtos e prestadores de serviço se responsabilizarem. O consumidor tinha que tentar algum tipo de acordo ou simplesmente desistir porque não havia amparo legal;
Equilíbrio
Criado para equilibrar as relações de consumo, o CDC protege os consumidores, mas também evita abusos das pessoas sobre as empresas: há regras para evitar tentativas de obtenção de “vantagem excessiva”, quando um produto é anunciado, por erro, com o preço muito fora da prática de mercado, ou quando o consumidor faz mau uso do produto e não segue as instruções recomendadas pelo fabricante. E, mesmo não sendo obrigados a fazer a troca quando o produto não tem defeitos, grande parte dos comerciantes adota a medida quando se trata de roupas e calçados, por exemplo, para manter o bom relacionamento com os clientes