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O Paraguai e sua Literatura: GABRIEL CASACCIA (1907-1980)

Filho de italianos, Gabriel Casaccia nasceu em Areguá, Paraguai, em 1907. Jovem, atuou brevemente na política. Gra­duando-se em Direito, iniciou sua carreira literária colaborando com os jornais “El Liberal” e “El Diario” e em várias revistas, priorizando o estilo narrativo. Indo residir na Argentina, focou seu trabalho em retratar com amargura e de forma crua a realidade de seu país, característica, esta, que o fez ser considerado por Augusto Roa Bastos como o fundador da narrativa paraguaia moderna. Em sua obra, o sentimento compensatório do passado, a insatisfação com o presente, a falsificação da história, o narcisismo entorpecido, a falta de he­róis civis e a ignorância da liberdade, entre outros, são identificados como características do país sendo vivenciadas por seu povo há mais de quatro séculos.

Roque Vallejos (1943-2006), jornalista, crítico, psiquiatra e poeta paraguaio, assinala que, desde Barrett (1876-1910/ensaísta e jornalista francês, que desenvolveu grande parte de sua literatura no Pa­raguai), ninguém na narrativa paraguaia sustentou de forma tão crua a realidade nacional. Em “Histo­ria de la Literatura Paraguaya” ( 1971 ), o crítico literário Hugo Rodríguez-Alcalá afirma que Casaccia, em sua obra “La babosa”, primeiro grande romance paraguaio, com o qual o autor inicia o gênero no país, fez de sua cidade natal o cenário ficcional do que ele mais odiava, expondo criaturas mesquinhas, inquietas e rudes ao lado de paixões baixas e banais para, através delas, denunciar a existência sórdida, vazia e inautêntica de seu povo.

Entretanto, para o diplomata paraguaio Rubén Bareiro Saguier, em 1952, ano da publicação de “La babosa”, o Paraguai vivia mais um dos “períodos de paz”, sob a autoridade de um dos seus tantos dita­dores militares. Imediatamente acusou-se Casaccia de “traidor”, “enemigo de la nación”, “roedor de los mármoles de la patria”, como gostavam, segundo Sa­guier, de chamar a imprensa oficial — inclusive até agora — a qualquer heterodoxo. A razão para isso? Toda a “paz” em que os paraguaios acreditavam viver, então, se desfazia em pedaços ante a maneira como Casaccia punha a descoberto certas falhas da sociedade e formas de frustração do ser coletivo (es­pecialmente no âmbito da burguesia média, núcleo depositário da ideologia dominante). Nas palavras de Saguier, “A visão distorcida, ideológica da narrati­va anterior tinha impedido mostrar certos aspectos da realidade. No Paraguai, conhecem-se de perto a violência, os crimes horrendos, as violações coletivas, as matanças nas ‘revoluciones’, as injustiças de toda espécie, a miséria e suas fealdades. Mas tudo isso são probleminhas domésticos, a literatura não tem por que ocupar-se dessas notas dissonantes; não há razões para mostrar publicamente essas cicatrizes vergo­nhosas. A mudança ideológica impõe aos autores como Casaccia e Roa uma visão distinta da realidade, conflitiva, crítica e violenta”.

De acordo com a crítica, “É significativo que [na obra] a única amizade sólida que existe seja a do padre Rosales com seu cavalo. Parafraseando uma das personagens do romance, pode-se ter certeza que, no mundo de ‘La Babosa’, viver não é difícil… o terrível é ter que viver rodeado de seres humanos …”. Entretanto, para que não se entenda que Casaccia esteja procedendo à demolição espiritual ou criativa de Areguá (e muito menos do Paraguai ) a partir de suas narrativas, o crítico e intelectual argentino Raúl Amaral, na Introdução ao romance póstumo “Los Huertas”, de Casaccia, afirma: “Casaccia se limita a instalar grupos sociais, pessoas e acontecimentos sitiados por um problema (um ou mais ), que tem ra­ízes universais incontestáveis. A dor, a maldade, a calúnia, o exercício do ‘mbareté’ (forte, poderoso, em guarani) não refletem exclusividades nacionais ou locais, pois são típicos de pessoas que vivem situações particulares em qualquer parte deste mundo”.

Um diferencial entre Roa Bastos e Gabriel Casaccia? Para Saguier, Casaccia insiste sobre o aspecto da frustração, enquanto que Roa insiste no da violência. Em Casaccia, passivamente, desde o universo da pe­quena ou média burguesia decadente, a visão do mundo torna-se conflitiva, como consequência da descrição de um meio deteriorado que ele próprio traduz quase como cronista. Em Roa Bastos, pelo contrário, existe uma von­tade de transformação na base; a sua visão do mundo é conflitiva; tem uma sustentação consciente de rebeldia frente às falhas de sua coletividade.

Ao longo de cinquenta anos, Casaccia produziu sete romances, duas coletâneas de contos e uma peça de teatro. Casado com a argentina Carmen Dora Parola, faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 24 de Novembro de 1980.

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