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A construção de setembros melhores

Somos bichos do ar. Não somos minhocas, nem somos corais, tão pouco peixes abissais. Vivemos imersos no ar e nele estabelecemos nossas trocas gasosas e nossos vínculos sociais. Experimentamos deleites e amarguras inerentes à respiração que não cessa. Podemos, eventual­mente, mergulhar nas águas de um caudaloso rio ou nos enterrarmos na areia da praia, ou ainda nos imaginarmos um inhame em desenvolvi­mento, mas vivenciamos a imensa maioria de nossas experiências no ar. Porque está difícil cuidarmos bem e melhor dessa nossa atmosfera?

Vamos falar das queimadas de agosto para prepararmo-nos para setembro. Setembro de 2021, pois ações consequentes e eficazes de controle de incêndios florestais e urbanos para este ano, não tere­mos, mais uma vez. O período de estiagem se acentuou nesta última década. A temporada de chuvas atualmente é menor. Além disso, os índices de radiação solar, luminosidade, temperatura e umidade relativa do ar se pronunciaram neste período, resultando em dias áridos e tardes desérticas. Seria nossa especialidade aridificar?

Os agostos de 2019 e 2020 tiveram, cada um deles, 30.000 focos de queimadas na Amazônia brasileira, registrados pelo satélite Aqua do Instituto de Pesquisas Espaciais, o INPE. São os maiores índices para o mês desta década. O monitoramento do bioma amazônico feito pela Agência Espacial Norte Americana (NASA), nos informa que aproxi­madamente 55% das queimadas em 2020 são provenientes do desma­tamento da floresta. Nestes incêndios as colunas de fumaça são muito grandes e queimam por um tempo maior se comparado com fogo praticado por pequenos agricultores para preparar o solo para o plantio.

As Forças Armadas, sob o comando do vice-presidente da república, assumiram as operações no controle de queimadas neste 2020 com a função de apagar a péssima imagem que restou do país em chamas no ano passado. Mas, os resultados não vieram, pois os satélites não são ideológicos e expressam a realidade. Substituir política de combate ao desmatamento ilegal por ações de controle de queimadas é mais um equívoco, caro, destes ginasianos muito “bem” intencionados que estão no centro do poder.

Nas cabeceiras dos rios pantaneiros choveu pouquíssimo no úl­timo verão e as inundações naturais do Rio Paraguai não ocorreram neste ano. A vegetação restou mais seca, mais inflamável e suscetível ao fogo. No bioma circunscrito aos estados mato-grossenses foram 5.935 focos de queimadas neste agosto. A piora da qualidade do ar em Cuiabá, Corumbá e Campo Grande, por exemplo, está sendo sentida de modo mais acentuado pelos acometidos pela covid-19 com dificuldade de respirar.

Áreas úmidas em chamas. Essa é a nossa atual realidade. E se não houver vacina prontinha, confiável e disponível para todos em janeiro? Não seria prudente vivermos mais o presente e prepararmos o futuro?­Zonas úmidas são áreas de pouso de muitas espécies de aves. Algumas delas carregam cepas do vírus Influenza. Com o Pantanal em chamas, proporciona-se maior possibilidade de contato e contaminação.

Em nossas cidades tudo se agrava quando a seca se acentua e as queimadas urbanas se proliferam, inclusive minha melancolia. Dias tórridos, noites inflamadas.

Respondendo à primeira pergunta deste artigo, acredito que o caminho seja o de planejar ações de prevenção e de combate ao fogo para o próximo período de estiagem. Abandonemos por completo nosso improviso e esse corre-corre. Não imitemos baratas tontas. A partir da experiência desastrosa dos últimos agostos, nos organize­mos e construamos novos setembros.

Há um rol de práticas que devem ser adotadas a partir de agora se quisermos manter a possibilidade de uma vida respirável na próxima década. Implantação e manutenção de aceiros em áreas públicas e particulares, remoção de biomassa seca e depósito em locais protegidos, reestruturação de política de combate ao desma­tamento ilegal, depósito adequado de resíduos sólidos, implantação de políticas de restauração ecológica e rearborização, campanhas educomunicativas para construção e indução de hábitos de preven­ção ao fogo, uso eficiente do monitoramento espacial já executado no país, entre muitas outras. Vocês me ajudam?

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