Sábado acordei lembrando de uma frase do nosso poetinha (assim os mais chegados chamavam Vinicius de Morais), que está na música “Cotidiano número dois”, letrada para Toquinho e que diz “aos sábados em casa tomo um porre, e sonho soluções fenomenais”. Ah! Hoje estou meio poetinha, pensei.
Como tomar cerveja sozinho é uma das coisas mais chatas do mundo, liguei para meu mano Rubão, propondo-lhe encharcar o verbo no final da tarde, e ele respondeu como se tivesse feito um gol em final de campeonato, tamanha foi sua alegria. E mandou logo: “Pô, mano!!! Tô na maior seca (rsrssr), cinco meses sem me aboletar numa mesa de boteco, vamos sim”.
“Vou chamar o Uber do Tomás do Timão, presidente da torcida Camisa 12 aqui de Ribeirão Preto, e te pego aí às quatro e vamos butecar”. Disse para o amigo Tomaz: “Toque para o Bar da Árvore, no Jardim Castelo Branco”. Chegando lá, que decepção: o bar não existe mais. Eu nem cheguei a conhecê-lo, que pena, menos um buteco no meu currículo (rsrsr).
Perguntei pra um caboclo parado em frente ao bar o motivo e ele disse: “Olha, amigo, fiquei sabendo que houve uma desavença entre os sócios”. Daí danei a pensar… “Caramba, essa briga embolou o meio campo de uma sedenta parte da cidade que se abrigava sob o frescor da sombra daquela imensa árvore pra molhar a palavra, vou torcer pela volta do Bar da Árvore”.
Tomás, muito prestativo, falou: “Buenão, na rua Laguna com a Franca tem o Bar do Gil que costuma bombar, levo muitos clientes lá e de sábado tem um grupo que manda bem num samba de primeira”. Lá chegando, nos despedimos do Tomás e dei aquela geral pra descolar uma mesa. Foi quando vi uma mão acenando. Para minha surpresa, era meu querido amigo Jacaré.
Fomos policiais rodoviários, passamos muito frio juntos na gelada Via Anhanguera em rigorosos invernos. Nem ligamos pra este tal de distanciamento. Trocamos um caloroso abraço, apresentei-lhe meu irmão, que de cara lhe fez aquela clássica pergunta: “Você é o Jacaré? Famoso no Brasil inteiro?”
Jacaré riu e eu falei: “Ele mesmo, mano”. E Rubão continuou: “Cara, não via a hora de te conhecer, meus amigos todos falam de você e agora estamos aqui, jogando conversa fora e cerveja dentro”. “Rubão”, eu disse, “Jacaré foi um dos fundadores do Tático Ostensivo Rodoviário (TOR). Nas noites em que ele e Toledo estavam de serviço a bandidagem tirava folga”.
Nunca vi Jacaré de mau humor, ele pode estar em situações das mais difíceis, mas seu sorriso e sua alegria estão sempre estampados em seu rosto, era um prazer ser seu parceiro. Numa mesa de bar, então, companhia melhor que a de Jacaré não existe. Lembrei-me ali na mesa de um fato acontecido pouco antes de ele ser policial, pois já foi caminhoneiro, um sonho de criança.
Quando completou 19 anos, final de tarde, voltando de viagem, tentou virar na rua Luiz Barreto com a Amazonas, era véspera de Natal, os bares lotados e naquela esquina tinha um Chevete de portas abertas, som no último. Estava estacionado em lugar errado, bem na curva da esquina. O espaçoso dono do carro estava sentado à mesa do boteco vendo tudo.
Jacaré tentou fazer a conversão várias vezes e nada, daí mandou ver na buzina a ar. O sujeito dono do carro gritou: “Passa por cima”. Ah! Por que o cara foi falar isso? Jacaré reduziu a marcha, acelerou forte e fez o que o sujeito mandou. O carro encaixou certinho debaixo da carroceria, as rodas traseiras, iam esmagando o Chevete do folgado que só gritava: “Meu carro!!! Meu carro!!!” Jacaré respondeu: “Foi você quem mandou, agora chame a polícia…”
Os homens chegaram, todo mundo pra central, depois vida normal pro Jacaré no Rápido Verdura… São Paulo-Belém… Cansou desta vida, prestou concurso e foi ser policial rodoviário, outro sonho.
Já estou com saudade das histórias do querido amigo Jacaré, na mesa de um bar.
Sexta conto mais.