Em certas áreas, o problema vai muito além do descaso. A área cultural é uma delas. Mais especificamente, no setor de museus. Depositório de fragmentos da história que nos explicam muito sobre o passado e dão indícios de como nos tornamos o que somos, os museus são uma espécie de templo sagrado da vida vivida seja por uma pessoa, um povo, ou mesmo um setor econômico. Trata-se de um recorte da história documentada com papéis e objetos. Quer lugar mais nobre para celebrar o tempo??? Não existe.
Lembro-me de uma viagem a Milão. Impossível ir à capital da moda sem passar pelo templo da música que é o Teatro alla Scala. Impossível não entrar no teatro sem se deixar inebriar pelo imaginário de lendas como Caruso ou Maria Callas se apresentando com casa lotada em algum momento do passado. No passeio guiado, encontramos objetos inesquecíveis, como o piano em que o compositor húngaro Franz Liszt criou suas obras. É uma viagem no tempo…
Aí você se dá conta de que para entrar naquele “museu” que é o Scala você paga cerca de R$ 250 por pessoa. E gasta mais na lojinha de souvenirs dentro do teatro… e saí de lá com a alma lavada!!!
Mas tem também opções mais baratas, como o Museu Picasso em Málaga, na Espanha. A casa onde nasceu Picasso, o Palácio de Buenavista, no Centro Histórico da cidade, se transformou num museu. E o próprio prédio em si é uma obra de arte da arquitetura andaluz do século XVI que se permite mesclar com elementos renascentistas. E lá dentro, a cereja do bolo, ou melhor, as 200 cerejas… esse é o tamanho do acervo com as obras de Picasso expostas para deleite do visitante que pode pagar apenas R$ 39,44 por pessoa.
Em ambos os exemplos, o peso da história se impõe majestosamente até mesmo no ar que se respira. A informalidade se mistura com a solenidade e é essa magia que faz dos museus um lugar abençoado para se contemplar a história. Tudo muito bom, tudo muito lindo.
Mas aqui, em terras tupiniquins, o buraco é mais embaixo. Não, não se trata de complexo de vira-lata. É que ainda somos um país que luta por questões de sobrevivência, como matar a fome. Somos um país com graves problemas de acesso à saúde pública e educação básica. Metade da população brasileira põe os pés no esgoto a céu aberto. Nem preciso entrar no mérito da qualidade dos serviços ou da falta dela. Falo em acesso mesmo. Quantas crianças estão sem escolas por falta de salas de aula? Quantas pessoas morrem nas portas de unidades de saúde por falta de atendimento??
Em meio à essa desumana realidade, como falar de museus? Como querer que os museus sejam fonte de história e inspiração? Primeiro é preciso comer e aprender a ler. Não por acaso o Museu Histórico e de Ordem Geral “Plínio Travassos dos Santos”, o Museu do Café “Francisco Schmidt” estão interditados, caindo aos pedaços. Com isso perde-se a oportunidade de conhecer o auge da Era do Café num local que serviu de casa-sede em estilo colonial da Fazenda Monte Alegre, construída nos idos de 1870 e que viria a ser a maior produtora de café da região e que foi fundamental para construir a personalidade ribeirão-pretana. A cultura não será prioridade enquanto as questões básicas não forem resolvidas. Elas consomem toda a atenção e recursos do poder público. Entre construir escolas ou restaurar museus, o que vem primeiro?
Mas estou falando das iniciativas do poder público. Por que não falamos de iniciativas privadas? O Museu Picasso não “rouba” tempo nem dinheiros públicos. Uma instituição foi criada para gerir toda a infraestrutura criada como suporte ao museu e ao acervo, a Fundação Almina e Bernard Ruiz-Picasso para a Arte (FABA). E de onde vêm os recursos? Dos ingressos cobrados. Pela fila existente e o tempo de espera que eu levei para visitar o museu, cobrar ingresso para ver 200 obras de Picasso na casa onde ele nasceu, é, de fato, um bom negócio. Mas é que na Espanha, ou mesmo na Itália, as pessoas não estão preocupadas se vão ter o que por na mesa para comer no no almoço… e essa histórica falta de prioridade para as artes vem com nome de descaso.