Direcionada para a iniciativa privada, há exatamente 85 anos, uma pequena lei brasileira praticamente esboçou os tópicos principais do Decreto-Lei de Vargas, que viria a ser a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, completará 77 anos agora em 1º de novembro).
Naquela época já se procurava tratar com igualdade os trabalhadores, mas os das atividades que prevaleciam na economia (comércio e indústria).
A tal Lei de 1935 estabelecia que “… não se admitem distinções relativamente à espécie de emprego e à condição do trabalhador, nem entre o trabalho manual, intelectual, ou técnico, e os profissionais respectivos.”
Ali se iniciava um conflito que virou o século e avança neste sem perspectivas de acabar: quais as obrigações de um empregado?
Ao tempo em que os franceses consideravam que o empregado era um “faz tudo”, no Brasil, no princípio da legislação trabalhista, tornou-se prática usual a contratação para “serviços gerais”. Assim se manteve durante décadas, até os anos 80. Tempos da luta por novas conquistas, com o crescimento do sindicalismo e das negociações coletivas (sindicais).
Foi aí que se difundiu a especificação do serviço (fim do nosso “faz tudo”), possibilitando aos empregados o direito de receberem valores salariais próprios (o da categoria), conforme a natureza do trabalho e suas particularidades. Fortaleceu-se a divisão das categorias profissionais, fomentando até mais de um sindicato numa mesma empresa.
Ficou possível criar direitos distintos, como o adicional por acúmulo de função (10%, 20% ou mais) e outros, que alimentam as atuais reclamações na Justiça.
Hoje a economia mundial é outra. O mundo do trabalho também. O processo produtivo se alterou. A era é do conhecimento. Vale mais quem sabe mais. Quem ajuda produzir mais.
No caos do desemprego interessa para a empresa o profissional multifuncional, que possa atuar em atividades diversas, complexas ou não (não basta só fazer cafezinho, só atender telefone, só digitalizar, só preparar reuniões, só ser locutor, só ser redator, etc). Também consequência da extinção dos postos de trabalho: encolhimento da empresa. É o aproveitamento inteligente da mão de obra numa organização produtiva.
Haverá o dia em que todos serão multifuncionais. Preparem-se. O tempo voa. As leis nem sempre são adaptadas às transformações da vida moderna com a rapidez que necessitamos. O fato social é imperativo e determinante, surpreende a morosidade da organização do Estado (Legislativo).
Em Brasília tramita projeto para modernizar a CLT quanto ao trabalho multifuncional, que deve prever não exigir do empregado mais que a sua própria competência, com critérios que limitem o seu desempenho, sem exploração.
O Brasil avança. Na nova Lei dos Portos há previsão para o treinamento do trabalhador portuário multifuncional, inclusive do avulso.
Logo as empresas serão provocadas pelos sindicatos para a inclusão nas negociações coletivas de cláusulas quanto ao multifuncional (contratação, treinamento e dispensas motivadas). Evitarão demandas e despesas. É a tendência inevitável para depois da pandemia (2021).
Não se trata de um retrocesso da ordem legal, mas um ajustamento para regular o que já está na realidade das práticas empresariais, por toda parte. Não é a volta do antigo “serviços gerais”, mas, sim, do “nosso faz tudo” modernizado, evoluído, sem as queixas do passado: “sem combinar, exige muito”; “empresa só quer ganhar” ou “podia produzir mais”; “não quer ser útil”.