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A diferença entre o remédio e o veneno é a dose: reflexões sobre a covid-19

A covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, tornou-se uma assombração na vida de pessoas em todo o mundo. Além de não ter cura, ainda também não é passível de prevenção por meio de uma vacina. O que se tem é o uso de medicamentos com base empírica (pautado na experiência e na observação) e resultados de estudos que sugerem algumas abordagens potenciais.

Essas pesquisas clínicas, que ocorrem quando medicamentos são testados para diversas condições, como o câncer, requer método e sis­tematização. Ou seja, leva-se bastante tempo para se cumprir todas as etapas, avaliação de riscos, critérios de inclusão e exclusão de pacien­tes, a busca em si por esses indivíduos que se disponham a participar, até a realização de todos os testes. São anos entre seu início e conclu­são. Por isso que não é possível determinar condutas a toque de caixa.

Desde o início da pandemia, médicos e cientistas do mundo todo têm se debruçado na busca pelas melhores alternativas terapêu­ticas. Eles partem a partir de doenças já conhecidas (o H1N1 é um exemplo) e tentam extrapolar esses dados contra o novo corona­vírus. O primeiro problema em que se esbarra é que muitas dessas pesquisas são feitas in vitro, ou seja, dentro de um tubo de ensaio em um laboratório (onde o ambiente é controlado). São isoladas amostras do novo coronavírus e então tratados com doses bastante elevadas de medicamentos que temos comercialmente disponíveis.

No caso da ivermectina (antiparasitário), para que se obtivesse efeitos semelhantes em pessoas, seria necessária a ingestão de uma dose 17 vezes maior que a dose máxima permitida por dia para seres humanos, algo totalmente impraticável. Por isso, não adianta tomar um ou dois comprimidos como se fosse tratar uma infestação por piolhos.

A hidroxicloroquina, que trouxe muita esperança no início da pandemia, também não se mostrou eficaz. Uma pesquisa robus­ta conduzida por brasileiros, chamada de Coalizão Covid Brasil, teve seus dados divulgados recentemente em uma revista médica respeitada no mundo todo, o New England Journal of Medicine. Eles concluíram que tanto a hidroxicloro-quinautilizada em monoterapia (sozinha) como quando associada à azitromicina (um antibiótico que também possui efeito anti-inflamatório), não trazem melhoras no tratamento da doença.

Mais recentemente começaram a surgir informações sobre o uso de corticoides, mais especificamente a dexametasona, em pacientes sob ventilação mecânica, mostrando benefícios.

A associação entre infecções viraiscom o tromboembolismo venoso (TEV) já vem sendo estudada há algum tempo. Parte dos pa­cientes com a covid-19 também apresentaram um risco aumentado para o TEV. Nesse contexto, médicos passaram a analisar o risco­-benefício para se realizar uma prevenção naqueles considerados de alto risco para TEV, administrando o anticoagulante. Quando bem indicado e feito em rotina hospitalar, os resultados são satisfatórios.

Outros medicamentos, como os antivirais tamiflu e remdesivir (ain­da não disponível no país) também demonstraram a melhora no estado de determinados pacientes e seguem sendo utilizado mundialmente.

A medicina é heterogênea. Não há receita de bolo, pois cada paciente é único. O novo coronavírus se manifesta também de ma­neiras distintas em cada pessoa, o que dificulta ainda mais o manejo. Portanto, é preciso manter a calma e o bom senso. Não pode haver uma corrida desenfreada às farmácias cada vez que a mídia divulga um possível tratamento contra a covid-19. O desespero nunca pode­rá ser superior às evidências científicas, até porque a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

Todos os medicamentos, independentemente da doença que se propõem a tratar, vem como bônus, mas também com o ônus. Efeitos adversos podem ser piores do que os sintomas da própria enfermidade (como ocorreu com algumas pessoas que usaram a cloroquina). Portanto, nesse momento de incertezas e expectativas, deve-se prezar pela busca por informações sérias, em fontes como as sociedades médicas, e não praticar a automedicação acreditando em uma possível prevenção.

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