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Beirute está em chamas, outra vez

É com emoção e lágrima que se lê ou assiste à tragédia, que abalou Beirute, a capital do Líbano, outra vez. A raiz desse ato é explicada ou pelo sentimento solidário praticado sempre, face à dor e à injustiça, ou decorre da confluência sanguínea, que na relação conjugal gerou a célula familiar, sem cultivar preconceitos, nem o da religião, tão alastrado nas terras árabes, incentivado, ora por vez, por interesses geopolíticos ou econômicos de outros países. Ou pelas duas raízes.

Mas, o deputado federal de Orlândia, cujo nome se esvai no tempo, disse, viajando no trem da Cia. Paulista de Estrada de Ferro, desapropriada pelo governo Carvalho Pinto, em 1971, o porquê visitava, anualmente, o Líbano. Era o “Presépio do Oriente”.

Mais, Beirute era um centro financeiro fortíssimo, que a sucessão de guerras – e foram tantas! –, não impedia que a sua rede bancária funcionasse como um relógio, mesmo quando Beirute estava sendo bombardeada e destruída por Israel, em 2006, durante a guerra contra o Hezbollah, grupo mulçumano xiita, que atua militar, política e socialmente, no país.

Hoje, a explosão acontecida no seu porto é acrescentada ao sofrimento que moti­vou, há tempos, o título melancólico do livro “Pobre Nação – As Guerras do Líbano no Século XX”, do jornalista britânico Robert FisK, correspondente no Oriente Médio do jornal inglês The Independent, residente em Beirute, há 25 anos, quando o escreveu. Com o território muito menor (10.452 Km²) do que o estado de São Paulo (248.222.362 Km²), ele diz que, entre exércitos e milícias, mais de trinta grupos armados se digladia­vam por espaço naquele pequeno território.

Historicamente, a tranquilidade esperada e distante do Líbano ganhou um outro marco com a criação de um estado palestino e um estado judeu, na partilha da Palestina, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), na sessão presidida pelo bra­sileiro Oswaldo Aranha, em 1947, com a oposição dos países árabes, que não a aceitaram.

A consequência foi um estado de guerra, sem que houvesse a instalação imediata do estado palestino, secundada pela brutalidade da ocupação judaica, que se não com­pravam terras, seus ocupantes eram submetidos a violência armada de milícias brutais, que os expulsavam. E a ordem era ocupar e destruir o que poderia ficar como memória, motor de retorno saudoso. O fluxo de refugiados cresceu, cresceu muito, afetando a correlação de forças políticas e religiosas, então existentes no Líbano.

A decisão da ONU criou essa contradição. A diáspora dos judeus, que desejavam uma pátria,passou a ser a diáspora do povo palestino, que não se acomoda dignamente na Faixa de Gaza, com os escombros do oriente médio recebendo sempre novos destro­ços, como os da explosão atual de Beirute. Ela já foi destruída e reconstruída sete vezes, na sua história de sete mil anos.

O clima político para criação dos dois estados teve um motivo subliminar, um incomodo sentimento de culpa, crescido com a realidade nazista da Alemanha, até a descoberta da barbárie que sacrificou seis milhões de judeus, com a emergência dos fornos crematórios dos campos de concentração.

Em 1938, trinta e dois países e organizações humanitárias sob o incentivo dos Estados Unidos, que, aliás, mostraram contraditoriamente seu desapreço pela sua proposta, enviando um empresário como seu representante, e não um membro de seu governo. Essa Conferência realizou-se na cidade francesa de Evian-les-Bains. A pauta foi o aumento da cota de imigração e a questão dos refugiados, provocada pela situação dos judeus da Alemanha nazista. No final, após seis dias, somente a República Dominicana, aceitou receber mais refugiados.

Essa omissão coletiva de trinta e um países participantes, inclusive os Estados Unidos, egresso da guerra como grande e poderoso, acumulou a vergonha e a culpa gravíssima pela morte horrenda e coletiva ou pela sobrevivência de milhares de corpos esquálidos, infletindo (quem sabe?) na reunião das Nações Unidas, e encurtando o tempo de debate sobre a criação dos dois estados (palestino e judeu). Talvez maior tempo fosse aconselhado. Talvez.

Essa recusa dos países em receber judeus serviu de gozação nos jornais nazistas da Alemanha. Diziam algo assim: eles criticam nossa política de limpeza ética, mas não os aceitam. Uma barbárie de cada lado.

E certo que naquela época a desvantagem do povo palestino era muito grande, já que sua identidade não estava ainda corporificada, junto à opinião pública mundial, pela presença de sua cultura, pela plêiade de seus políticos, escritores e artistas.

Nesse contexto histórico, a explosão de Beirute é mais uma tragédia dessa “Pobre Nação”.

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