Quem já se deparou com propagandas e filmes em que o pai se resume naquele que brinca com os filhos e tem a função de provedor? E na vida real, quantas famílias ainda reproduzem esse papel paterno? Mas atenção, esse modelo de pai construído socialmente está se modificando e, cada vez mais, se discute o papel ativo do homem nos cuidados dos filhos.
Segundo documento sobre paternidade ativa elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), pai ativo é aquele que mantém uma relação que vai além do provimento financeiro. Ser pai, portanto, também inclui se preocupar com as necessidades do filho, construir vínculo emocional e estar atento as tarefas domésticas, bem como compreender a responsabilidade da paternidade.
Pai por adoção
Para o advogado e presidente da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh), Saulo Amorim, a paternidade exige preparo e dedicação. “É abraçar e se preparar para os desafios do encontro de vida com os filhos e ter sensibilidade para entender que a cada fase da criança novas demandas surgem”, comenta Amorim, que também é coordenador do grupo de apoio à adoção “Cores da Adoção”.
Pais por estereótipos
O relatório “A Situação da Paternidade no Brasil: Tempos de agir”, do Instituto Promundo Brasil, mostra que 83% dos pais brasileiros relataram, em 2019, brincar com as crianças, enquanto 46% relataram cozinhar e 55 % a dar banho. Isso significa que parcela representativa da população ainda credita o papel do cuidar à figura feminina.
De acordo com o historiador e consultor Instituto, Luciano Ramos, apesar de avanços nos últimos anos, ainda existe um olhar muito estereotipado sobre ser pai. “Nessa sociedade machista, o lugar de prover e ser uma figura mais periférica é do homem. Eles são meio que forçados pelo machismo a não ocupar esses lugares (do cuidado e educação)”, analisa. Para Ramos, ainda há muito a se avançar para que o homem também seja visto como potencial cuidador.
Pai gestante
Os estereótipos de gênero também podem interferir na participação do pai durante a gestação. De acordo com a psicóloga e psicanalista, Gabriella Nazário Cirilo, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG, o pai que participa ativamente da gravidez, além contribuir para o conforto da mulher diante tantas mudanças, colabora para criar um vínculo familiar entre pai, mãe e o filho, antes mesmo do nascimento.
Gabriella também sugere maneiras de o pai demonstrar apoio e participar ativamente, como acompanhar as consultas pré-natais e se informar sobre como ajudar a mulher a encarar os desafios da gestação.
A participação do homem na gestação, após o nascimento e em todas as fases da vida do filho tem impactos positivos na saúde materno-infantil, no desenvolvimento das crianças, para o empoderamento das mulheres e saúde e o bem-estar dos próprios homens.
É possível ser pai sem precisar ter uma mulher envolvida?
Quando se fala em produção independente, logo pensamos em nome de mulheres famosas como Karina Bacchi e Mariana Kupfer, que decidiram ter um filho sem uma figura paterna conhecida. Entre os homens, a iniciativa não é tão popular, porém talvez a falta de conhecimento de que dá para ter um filho sem precisar de uma companheira possa ser um dos fatores que influenciam a baixa procura.
Em 2017, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução sobre as normas para utilização das técnicas de medicina reprodutiva. No documento, o órgão garante que homens e mulheres possam ter um bebê por meio da reprodução assistida sem a figura de um(a) parceiro(a) conhecido(a). Ou seja, além das mulheres, os homens também podem partir para a produção independente, mas, nesse cenário, há a necessidade da participação de uma mulher para gerar o bebê, no que é chamado de barriga solidária ou útero de substituição.
No caso dos homens que querem constituir família sozinhos, a Fertilização in Vitro (FIV) é o tratamento de escolha, mas há duas particularidades para os futuros papais que vão trilhar a produção independente.
“Será necessário recorrer a um banco de óvulos de doadoras anônimas e que uma parente de até quarto grau receba o embrião e faça o pré-natal do bebê gerado a partir do espermatozoide do papai independente e do óvulo da doadora”, explica Jorge Barreto, médico especialista em reprodução humana do Ceferp – Centro de Fertilidade de Ribeirão Preto. A parente pode ser a mãe, a irmã, a filha, a sobrinha, a tia ou a prima.
É o que fez Marcelo das Neves Junior, de Serrana, que teve os filhos Maria Flor e Noah gerados pela mãe, Valdira das Naves, na época com 44 anos. Os bebês nasceram no dia 3 de setembro de 2019, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
“Como sou pai de primeira viagem e solteiro, está sendo um desafio cuidar de dois bebês, muita coisa nova, mas minha mãe está me ajudando com toda a rotina, papinhas, banho”, conta Marcelo, que agora se prepara para passar seu primeiro Dia dos Pais acompanhado dos filhos. “Esse é o ano especial da minha vida, por mais que esteja acontecendo tudo que está acontecendo no mundo. Estou aqui com meus filhos, saudáveis, e agradeço muito a Deus por isso.”
Como funciona o processo de produção independente masculina – Com a definição de quem será a barriga solidária, a clínica encaminha todos os envolvidos para uma avaliação psicológica. Depois, o processo é o mesmo que passa um casal ou uma mulher que também decide por uma produção independente.
O homem escolhe um perfil de doadora dos óvulos, que precisa ser anônima. “Não é possível contar com os óvulos de uma amiga, por exemplo. O anonimato é estabelecido pelo CFM e nem a doadora saberá para quem os óvulos foram doados”, afirma o médico.
No laboratório, o embrião é formado com o óvulo da doadora e o espermatozoide do homem e depois transferido para o útero da barriga solidária. No caso de Marcelo, foram dois embriões.
“É importante lembrar que o pai biológico tem que garantir o seguimento médico durante a gravidez, o parto e após os primeiros meses do nascimento”, comenta Jorge Barreto, ressaltando ainda que a técnica para produção masculina independente também é utilizada para casais homoafetivos masculinos terem seus bebês.
Mais de 5,5 milhões de crianças brasileiras não têm o nome do pai na certidão de nascimento
Neste domingo (07), é comemorado o Dia dos Pais. No entanto, um número muito grande de crianças e adolescentes não tem motivos para festejar a data. De acordo com o último Censo Escolar, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e divulgado em 2013, há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento.