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O Paraguai e sua Literatura: HÉRIB CAMPOS CERVERA

Élvio Romero, de quem tratamos no texto anterior, tem no poema “Tormenta” um exemplo de sua litera­tura: “A noite tem sido longa/Como desde cem anos/de chuva/de uma respiração enfurecida/proveniente de um fundo de vertigem noturna/de um cântaro vermelho ofegando na terra/o vento há desatado sua tempes­tade violenta/sobre o véu anelante da ilusão/efêmera, sobre as fatigadas necessidades/e tu e eu, na colina/mais alta/no canto de nossos dois silêncios/abraçados ao tempo do amor, desvelando-nos/Deixa que o vento morda sobre o vento/Eu te fecharei os olhos.”

Por sua vez, Hérib Campos Cervera, poeta e dramaturgo paraguaio, filho de pais espanhóis, nasceu em 1905, em Assunção (Paraguai), vindo a falecer como exilado em 1953, em Buenos Aires (Argentina). Seus estudos de fi­losofia, matemática e crítica literária acompanharam sua formação em engenharia. Agrimensor, jornalista e redator, atuando nas selvas paraguaias de Caaguazú e do Chaco, destes locais extraiu experiências, tipos sociais e imagina­ção para a composição de seus poemas e de sua única peça teatral. Deixou a abastada família para viver junto às minorias sociais de Assunção. Com isso, a despeito de sua inteligência incomum, passou por sérias dificuldades financeiras para sobreviver.

Desde muito jovem dedicou-se à poesia, sendo um dos precursores da valorização poética em seu país. Poeta social, combateu todo e qualquer radicalismo, o que o tornou um antagonista do poder político local. Por conta desse ideal libertário, Cervera foi exilado duas vezes. Na primeira, conheceu o poeta espanhol Federico García Lorca, que muito o influenciou na poesia e nas reflexões. Deste exílio datam os romances “Hombres de la selva” e “Romancero del destier­ro”, que se perderam no tempo. Habituado a escrever seus poemas onde estivesse, muitos deles levaram meses e anos para serem completados. E sobre isso, supõe a crítica, muitos de seus trabalhos devam estar perdidos ou em arquivos particulares, aguardando a mão do tempo. Sua poesia, portanto, origina-se de maneira natural, sempre vinculada ao momento vivido e à situação histórica. Para Cervera, a arte, que entendia como valiosa ferramenta do progresso humano, e toda palavra deveriam estar sempre à disposição do povo.

No regresso ao Paraguai, trouxe consigo conhecimento sobre correntes filosó­ficas que chegavam ao país tardiamente. Neste contexto, segundo estudiosos, da filosofia marxista se nutriu sua peça teatral “Juan Hachero: una crónica dramática en un prólogo, três jornadas y un epílogo”. Três anos mais tarde, o estreito contato com um grupo de intelectuais, do qual participavam Josefina Plá, Augusto Roa Bastos, Elvio Romero, Óscar Ferreiro, Ezequiel González Alsina e Hugo Rodríguez Alacá, dando origem ao que se intitulou Geração de 40, efervescendo o ambiente literário e cultural da época. Leitores de autores universais como Walt Whitman, Rilke, Joyce, Virginia Wolf, Miguel Hernández, Dylan Thomas, Lorca, Valéry, Cernuda, Salinas, Aleixandre, César Vallejo, Neruda, Octavio Paz, Nicolás Guillén, Aragón, Eluard, Hölderlin, e Novalis, entre outros, as ideias nascidas neste grupo constituindo-se ponto de partida para a renovação poética no país.

Entretanto, em 1940, morre o presidente Estigarribia, sucedido pelo general Morínigo, simpatizante do autoritarismo nacionalista que imperava na Europa nazi-fascista, que no poder ficará até 1948. Em 1947, a guerra civil que se instaura ocasionará um novo exílio a Cervera, desta vez em Buenos Aires, no qual ficará até sua morte. E privará o Paraguai de uma geração de grande talento e criatividade seja na literatura, seja nas humanidades. Não publicando uma única obra em seu país, portanto, será na Argentina, desta vez, que Cervera publicará “Cenizas Redimidas” (Cinzas Redimidas) e, postumamente, “Hombre Secreto”. O exílio, portanto, ferti­lizará em Cervera uma poesia repleta de memórias mutiladas, vida e obra confun­dindo-se a todo momento, dor pela vida vivida pela metade, poesia sempre tratando do dilema da ausência e do destino cruel de só poder reencontrar seu lar no espaço reinventado da literatura. Esta dor causada pelo exílio o tornará conhecido na Argentina como el poeta maldito. Segundo relatos, o poeta estava no Café Berna, em Buenos Aires, quando, escrevendo, agradou um gato de rua. Mordido ou arranhado pelo animal, foi acometido de raiva animal, desta falecendo no hospital.

Sua peça teatral retrata a vida a vida de lenhadores que são explorados na extra­ção de “quebracho”, árvore produtora de tanino, no Alto Paraguai por uma empresa estrangeira. Um poema? UM HOMEM FRENTE AO MAR. “É igual a mim: sinto-o com minha angústia e meu sangue/Formoso de tristeza, vai ao encontro do mar/para que o sol e o vento o areje de agonia/Paz na fronte quieta; o coração em ruinas;quero viver ainda para morrer por mais tempo. É igual as mim: vejo-o com meus olhos perdi­dos/também busca o amparo da noite marinha/também leva a rota parábola de um voo/sobre seu coração ancião/ Vai, como eu, vestido de soledade noturna/As mãos estendidas para o rumor oceânico/está rogando ao tempo do mar que o libere/desse golpe de ondas sem trégua que sacode/seu coração ancião, pleno de sombras/ É igual a mim: sinto-o como se fosse minha/sua figura, modelada pelo furor eterno/de seu mar interior/Formoso de tristeza/Está tratando — em vão — de não queimar a areia/com o ácido amargo de suas lágrimas/É igual a mim: sinto-o como se fosse meu/seu coração ancião, pleno de sombras…”

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