Capitão do Exército reformado comprou a Rádio PRA-7 (a 7ª do Brasil). Na semana seguinte o Coronel do Exército que aqui representava a ditadura invadiu a rádio para apreender um disco proibido (tocava uma música de Geraldo Vandré, que nem chegou ao fim). O Coronel veio “voando”, num Jeep do Exército, verde, sem capota, com dois subordinados, parando na contra mão (a rádio ficava na esquina da Francisco Junqueira com Barão do Amazonas). Eram quase 17 horas.
Ninguém nunca soube como tudo foi tão rápido: disseram que o Jeep já estava “a espera”, atrás da árvore na avenida (se verdade, estava ouvindo a Rádio). O Coronel entrou e foi direto à Técnica, querendo o disco que falava de “flores”. No dia seguinte a Rádio estava sob ordens: até mosquito era barrado nos corredores.
Dias depois, com todo mundo ainda meio assustado, não demorou muito, tocou o interfone do funcionário da recepção, pedindo socorro:“Vem rápido. Desce alguém aqui porque tem um casal mal encarado, com roupa rasgada nos joelhos e um mulato, parece ser o chofer do carro, querendo entrar. Eu não vou deixar”.
A direção da rádio se preocupava com terroristas, que queriam passar mensagens subversivas, coisas de uma época de guerrilha no país.
Pois bem, não havia tempo para chamar a polícia. Interrompemos a redação da Rotativa Sonora (era o Jornal Nacional da época) e lá fomos nós ao “front” (até pensando em bala perdida).
Tal foi a surpresa que o “casal mal encarado e com roupa rasgada” era simplesmente Elis Regina e Cauby Peixoto e o “mulato” chofer era Jair Rodrigues, todos ganhadores dos famosos Festivais de Música Popular da TV Record. Hoje nem mais são realizados.
Claro que entraram e foram encaminhados ao Stúdio Azul, onde Iris Ribeiro fazia o seu programa. Ali falaram dos seus discos em lançamento.
Naquela época ainda não havia o “jabá” (hoje propina para a divulgação forçada dos novos discos).
Lembramos do tempo em que os cantores viajavam pelo interior em seus automóveis (Sinca Chambord, pintura e vidros pretos, o da moda), indo pessoalmente apresentar suas músicas para que fossem tocadas, se tornando conhecidas pelo público. Vez por outra eram impedidos de falar com o programador, apresentador do programa, o “disk jockey”, como aconteceu aqui.
Mas um fato sobressai: já eram os cantores mais famosos do país nos anos 60 e enfrentavam dificuldades para a divulgação do seu trabalho, recorrendo ao seu empenho pessoal, sem as assessorias técnicas que hoje criam os ônus da intermediação e os novos custos que reduzem o ganho dos artistas – os mais prejudicados e elevam o valor final do produto (perdendo mercado).
E mais, já famosos não deixavam de utilizar o seu carisma para o melhor resultado do seu trabalho. A simplicidade de cada um sempre foi essencial, como fator determinante da sua realização pessoal.
De tudo ainda ressoa, até hoje, a voz do abnegado porteiro decepcionado com o ocorrido: “…a gente dá um duro danado pra moralizar esta baixada da Francisco Junqueira, corre até risco de vida e vocês deixam entrar qualquer um. Trabalho de porteiro ninguém dá valor mesmo!” Que Deus o tenha! E não foi obra da ditadura.