O advogado Renato Ribeiro de Almeida é um daqueles profissionais que se especializaram sobre um tema e se transformaram em referência. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, ele falou ao Tribuna sobre as próximas eleições municipais.
Para Renato a pandemia e o distanciamento social deverá mudar a forma de fazer campanha e a redes sociais deverão ter destaque. “Hoje os eleitores interagem de forma mais intensa por meio das redes sociais, alguns, inclusive, por meio de discussões acaloradas, deboches, memes e vídeos.”
Tribuna Ribeirão – Como o senhor avalia a mudança na data das eleições municipais deste ano?
Renato Ribeiro de Almeida – Foi uma mudança necessária em virtude da crise sanitária. Diferente de países asiáticos, nunca havíamos lidado com crises dessa natureza. É algo que estamos aprendendo agora. No caso das eleições, seria inviável aglomerar milhões de pessoas em determinados pontos urbanos sob o risco de contaminação. Com a extensão do calendário, passamos a ter uma pré-campanha maior. Durante esse período os candidatos não podem fazer propaganda, mas ainda é possível reunir recursos, construir suas mídias sociais, estabelecer alianças etc. A meu ver, o maior impacto, será na organização da Justiça Eleitoral. Com o encurtamento do prazo entre a votação e a posse dos eleitos, haverá menos tempo para julgar ações e recursos.
Tribuna Ribeirão – Que candidatos deverão ser mais beneficiados, os que tentam a reeleição ou os que concorrem pela primeira vez?
Renato Ribeiro de Almeida – Os candidatos que tentam a reeleição terão mais cinquenta dias com a “máquina na mão”, podendo usar do período para “mostrar serviço”, podendo inclusive realizar algumas propagandas consideradas lícitas, como a exaltação dos atos do mandato. Porém, conforme estamos observando, muitos políticos estão se valendo da pandemia para se promover pessoalmente. Os candidatos que concorrem pela primeira vez podem se valer de diversos deslizes para derrubar as campanhas dos candidatos à reeleição. Costumo dizer que a pré-campanha é um jogo de espiões: quem sabe mais, está na frente.
Tribuna Ribeirão – A pandemia do coronavírus deverá reduzir o total de eleitores que votarão?
Renato Ribeiro de Almeida – O voto permanece como obrigatório, podendo ser dispensado apenas mediante justificativa à Justiça Eleitoral. Espera-se que até 15 de novembro, data do primeiro turno, a situação já esteja normalizada. Caso contrário, há autorizações expressas para postergar a data da votação.
Tribuna Ribeirão – O que isso mudaria no quociente eleitoral? Facilitaria a eleição para os partidos?
Renato Ribeiro de Almeida – O quociente é calculado com base nos votos válidos, descartando brancos e nulos. O não comparecimento dos eleitores faria com que o quociente fosse reduzido, porém isso não acarreta benefício aos partidos “menores”, uma vez que a ocupação das vagas é proporcional aos votos válidos, independentemente das abstenções.
Tribuna Ribeirão – A pandemia e o distanciamento social deverá mudar a forma de se fazer campanha?
Renato Ribeiro de Almeida – Com certeza, já que todo tipo de aglomeração deve ser evitado a fim de impedir que a pandemia continue se alastrando. As mídias sociais, que já são deveras importantes para a pré-campanha e para a campanha em si, acabarão ganhando mais força, pois são as ferramentas utilizadas pela população para se informar, principalmente.
Tribuna Ribeirão – Nas eleições de 2018, as redes sociais tiveram papel muito importante para muitos candidatos. Isso deverá acontecer neste ano?
Renato Ribeiro de Almeida – Certamente. Hoje os eleitores interagem de forma mais intensa por meio das redes sociais, alguns inclusive por meio de discussões acaloradas, deboches, memes e vídeos. Isso gera muito engajamento e as redes sociais identificam as movimentações como algo relevante, o que intensifica ainda mais a visibilidade do candidato. É um formato que rivaliza com os meios de propaganda clássicos, como a TV, rádio e a propaganda impressa. Da mesma forma, oferece alguns perigos inusitados, como o das “Fake News” e da propaganda impulsionada por pessoas jurídicas (o que é proibido). Dessa forma teremos um duplo desafio: os candidatos devem aprender a utilizar as redes sociais como meio de comunicação com o eleitorado; e a Justiça Eleitoral deve aprender a regular as condutas nas redes.
Tribuna Ribeirão – Qual sua avaliação sobre o Fundo Partidário? Ele é necessário, já que são recursos públicos?
Renato Ribeiro de Almeida – Tanto o Fundo Partidário, quanto o Fundo Eleitoral, foram criados sob uma premissa de permitir aos candidatos menos abastados de concorrerem em condições mais equânimes com os candidatos ricos. Não seria possível fazer de outra forma senão com recursos públicos. A partir disso, os meios de fiscalização e controle dos gastos também se tornaram mais rígidos. A Justiça Eleitoral realiza um verdadeiro “pente fino” sobre a contabilidade da campanha, punindo com rigor todas as práticas de “caixa dois”, corrupção eleitoral, aproveitamento ilícito de verbas etc. Evidente que há um “risco moral” em se utilizar os recursos públicos com campanhas políticas, mas essa foi uma opção legislativa para conseguir maior controle e dar mais chances aos candidatos menos favorecidos.
Tribuna Ribeirão – Se o senhor desse consultoria para um candidato que tenta a reeleição de prefeito. Que conselho daria para a campanha?
Renato Ribeiro de Almeida – A reeleição é, em grande medida, uma consequência do trabalho que foi desenvolvido ao longo do mandato. Bons gestores fazem sua “propaganda política” ao longo dos quatro anos que estão no poder. Todavia, um dos grandes perigos que vimos esse ano foram as promoções pessoas feitas à pretexto de ajudar a população no contexto da crise sanitária. É o caso de doações de dinheiro e bens acompanhada de publicidade sobre a pessoa do gestor. Isso configura uma conduta vedada e dá ensejo à cassação do registro de candidatura.
Tribuna Ribeirão – E que conselho daria para um candidato que tenta se tornar prefeito ?
Renato Ribeiro de Almeida – Eu diria, e digo para os clientes que são “marinheiros de primeira viagem”, que se ele está à frente nas pesquisas, tem recursos para a propaganda, tem visibilidade, tem aceitação e tem chances de ganhar, a pior coisa que pode acontecer é ter um adversário que entenda de direito eleitoral. O Brasil já teve mais de duas mil cassações de políticos desde a Constituição de 1988. Somos os recordistas da América Latina. Muitas condutas aparentemente inócuas são vistas pela Justiça Eleitoral como de extrema gravidade e podem ensejar a cassação do registro ou do mandato. É preciso tomar muito cuidado e para isso são indispensáveis às contratações de um advogado especializado em direito eleitoral e um contador especializado em financiamento de campanha.