O jornalista Nicola Tornatore, que faleceu aos 52 anos, em junho de 2018, vítima parada cardiorrespiratória, dividiu boa parte do seu trabalho entre as redações e as pesquisas de arquivos sobre dados de Ribeirão Preto. Grande parte dessas pesquisas se tornaram livros ou reportagens especiais. Pouco antes de morrer, ele escreveu neste Tribuna, uma curiosidade sobre a data de aniversário da cidade: nem sempre foi comemorada em 19 de junho.
A matéria explica que ao longo do último século, a comemoração ocorreu em diferentes meses, como março, abril e julho. Nos anos 20, o dia 2 de abril de 1871 era consenso. Naquela época a imprensa publicava matérias com manchetes: “Uma data bastante preciosa – O cincoentenário de Ribeirão Preto”. A referência era um decreto providencial, de abril de 1871, que elevou a povoação a “Districto de Paz”.
Para o ex-prefeito João Rodrigues Guião, a data mais condizente era 12 de abril, como explicou: “O povoado, iniciado em 1853, (…) entrou definitivamente como parte integrante da divisão administrativa da antiga Província de S. Paulo a 12 de Abril de 1872, quando foi elevado a villa e município”.
Já o historiador Plínio Travassos dos Santos defendia o dia 28 de março, que remete à 1863, quando o padre Manoel Euzébio de Araújo demarcou o terreno onde seria erguida a primeira capela reconhecida pela Igreja.
A Câmara Municipal entrou definitivamente na polêmica no início da década de 50, quando aprovou projeto de lei baseado nas alegações de Plínio dos Santos. O projeto foi promulgado e oficialmente o aniversário da cidade passou a ser em 28 de março.
Pouco depois, em 1954, a polêmica volta à tona, com parte dos vereadores defendendo as ideias de outro historiador, o médico Osmani Emboaba da Costa, que defendia o 19 de junho de 1856, quando um juiz assinou despacho autorizando a demarcação das terras doadas a São Sebastião para a formação do patrimônio eclesiástico da futura Igreja.
Para resolver o impasse, a Câmara apelou para uma comissão de professores da Universidade de São Paulo. Em julho de 1954 essa comissão emitiu um parecer: “Se considerarmos a realização do projeto de fundação da cidade, o ano de 1856 se impõe como o de maior significação. A sugestão apresentada pelo Doutor Osmani Emboaba, quanto à data de 19 de junho de 1856, nos parece das mais felizes, pois assinala a demarcação da área onde se desenvolveu a cidade. É essa data que a Comissão tem a honra de indicar ao sr. Presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto”. Estava, pois, definido – Ribeirão Preto foi fundada em 19 de junho de 1856.
Curiosidades de Ribeirão Preto
Em outra reportagem publicada pelo Tribuna, o jornalista e historiador Nicola Tornatore fez um resgate de quem foram os primeiros na cidade, oficialmente. O primeiro recém-nascido, o primeiro batizado, o primeiro registro de casamento, a primeira rua e outras curiosidades.
Primeiras ruas
A primeira Câmara Municipal de Ribeirão Preto, empossada em 4 de junho de 1874, define uma denominação oficial para as ruas da cidade: rua Boa Esperança (atual Visconde do Rio Branco); rua Nossa Senhora das Dores, em seguida denominada rua do Comércio (atual rua Mariana Junqueira); rua 4 de Junho (atual Duque de Caxias); rua do Bonfim (atual rua General Osório); travessa Botafogo (atual rua Saldanha Marinho); travessa da Boa Vista (atual rua Álvares Cabral), Travessa da Alegria (atual rua Amador Bueno); travessa das Flores (atual rua Tibiriçá); travessa das Dores (atual rua Visconde de Inhaúma) e travessa da Lage (atual rua Barão do Amazonas).
Primeiro médico
Apresentado na sessão da Câmara Municipal de 7 de julho de 1878 documento habilitando Joaquim Estanislau da Silva Gusmão para o exercício de Medicina. Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tudo indica que tenha sido ele o primeiro médico diplomado a clinicar na cidade.
Primeiro jornal
No dia da Independência (7 de setembro) de 1884, ainda no Império, começa a circular o primeiro jornal de Ribeirão Preto, o semanário “A Lucta”, idealizado pelo jornalista Ramiro Pimentel. Nascido em Areias (SP), em 1851, ele chegou em Ribeirão Preto em 1872, aos 21 anos. O “A Lucta” circulou até 1886. Ramiro Pimentel foi vereador, coletor de impostos estadual e o primeiro agente dos Correios na cidade. Em 1896 foi nomeado tabelião em Igarapava. Morreu em Ribeirão Preto, em 1907.
Primeiro cemitério
Ficava logo atrás da Igreja pioneira (construída entre 1863 e 1868), na hoje atual XV de Novembro, no trecho onde se encontra o monumento ao Soldado Constitucionalista de 1932. Com o surgimento de habitações no entorno da Igreja, por volta de 1878 o cemitério mudou-se para outro local – onde hoje está a praça da Catedral Metropolitana de São Sebastião, num trecho dos jardins ao lado da rua Tibiriçá. Mais alguns anos e o crescimento da vila faz o cemitério transferir-se “para longe” – o terreno fica hoje no cruzamento da avenida Independência com a rua Tibiriçá, avançando alguns metros na Vila Seixas.
Provavelmente recebeu sepultamentos de 1887 a 1892. Com a proclamação da República em 1889, ocorre a separação entre Estado e Igreja e os cemitérios são secularizados – até então, eram responsabilidade da Igreja. Em janeiro de 1893 a Câmara aprova a aquisição por quatro contos de réis do lote nº 16, do Núcleo Colonial “Antônio Prado” (103.836 m2), para construção do Cemitério Municipal (atual Cemitério da Saudade).
Primeiro ribeirão-pretano
Em 7 de novembro de 1875, no Cartório de Paz, foi feito o primeiro registro civil de nascimento: a criança Thomaz, de dois meses, filho de José Ignácio de Faria e Umbelina Maria de Jesus, residentes na fazenda do Ribeirão Preto. Oficialmente, Thomaz foi o primeiro ribeirão-pretano.
Primeiro óbito
Em 2 de novembro de 1875, no Cartório de Paz, foi registrado o primeiro óbito: José Joaquim Ferreira, 88 anos, morador da fazenda Lageado Oficialmente, ele foi a primeira pessoa a morrer em Ribeirão Preto.
Primeiro batizado
Em 2 de janeiro de 1870 foi realizado pela primeira vez uma cerimônia de batizado na Capela de São Sebastião do Ribeirão Preto: Antônio, dois meses, filho de João Paulino de Almeida e Joana do Espírito Santo. A cerimônia esperou mais de dez anos para ser realizada – os moradores haviam pedido autorização ao Bispo de São Paulo para instalação de uma Pia Batismal na Capela de São Sebastião em 23 de agosto de 1859.
Primeiro casamento
Em 25 de março de 1868 o padre Miguel Martins da Silva dá a benção na Capela de São Sebastião. Ela é declarada curada (tornada independente da Matriz de São Simão) em 26 de novembro de 1869. Dois meses depois, em 8 de janeiro de 1870, é realizado o primeiro casamento na Capela de São Sebastião: Manuel Antônio da Silva e Francelina Maria de Jesus.
Primeiro teatro
Primeiro teatro de Ribeirão Preto, inaugurado em 7 de dezembro de 1897. Com 23,91 metros de frente/fundos e 44,99 metros de comprimento, o teatro Carlos Gomes foi construído em área pública (a hoje praça Carlos Gomes) por um grupo de fazendeiros liderados pelo coronel Francisco Schmidt. Projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, contou em sua construção com o que de melhor existia à época, na maioria materiais importados da Europa – escadarias em mármore, calhas de bronze, lustres de cristal etc.
Nos primeiros anos do século XIX, foi um dos principais palcos de ópera do Brasil, recebendo companhias do Brasil e do exterior. Após a inauguração do “vizinho” Teatro Pedro II, deixou de receber espetáculos e se transformou em um prédio de salas de aluguel. Desapropriado pela Prefeitura em 1943, foi demolido em 1945.
Primeiro monumento
O primeiro monumento de Ribeirão Preto foi inaugurado em 28 de setembro de 1913. Trata-se de uma herma do barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Junior), em bronze, sobre um pedestal de granito, instalada por iniciativa da Câmara Municipal defronte ao antigo prédio da Câmara e Cadeia, na rua Cerqueira César. A herma (um busto sem os braços) foi executada pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Anos depois, em 1917, foi inaugurado defronte ao monumento o Palácio Rio Branco. A área que recebeu a herma virou a praça Barão do Rio Branco.
Primeiro prefeito
Ele foi uma das pessoas mais importantes dos primórdios de Ribeirão Preto e hoje está completamente esquecido. Manuel Aureliano de Gusmão foi o primeiro prefeito e também o primeiro juiz de Direito da cidade. Era pernambucano e formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Ingressou na magistratura e foi nomeado o primeiro titular da Comarca de Ribeirão Preto, instalada em 1892.
Permaneceu no cargo até 1897, quando entrou para a política. Foi vereador (eleito em 1899), intendente (denominação de então para o chefe do Executivo, escolhido em 1902, quando o cargo passou a ser ocupado pelo “prefeito” Gusmão) e deputado estadual (1904, sendo reeleito até 1914). Em 1903, propôs a doação de um conto de réis para o aeronauta Alberto Santos Dumont. O dinheiro foi cedido “para auxiliar a continuação de suas experiências sobre o aproveitamento da dirigibilidade dos balões como meio de transporte”. Morreu em 1922, quando era senador estadual.
Primeiro carro
Em 1906 chegou em Ribeirão Preto o primeiro automóvel – um modelo alemão Benz. Ele chegou desmontado, pelo trem, e foi montado pelo mecânico alemão Carl Magnus nas oficinas do Antigo Banco Constructor. Carl e sua mulher Martha Belhiftre Magnus, dona do Bar do Allemão, foram os primeiros a trafegarem motorizados pela cidade.