O texto constitucional de 1988 cumpriu um valoroso dever ao outorgar competência tributária às entidades federativas. Ao Estado, será legítimo criar, entre outros tributos, o imposto que incide nas doações. A União será responsável, entre outros, pelo imposto que incide sobre exportações. Este mapeamento tem alguns contornos que, embora claros, mostram-se aos olhos daqueles que fundamentalmente interpretam o direito – os Tribunais – absolutamente duvidosos. O que traz dificuldade a todos que gravitam em torno do direito tributário.
Caso contemplado nesta dificuldade é o que atinge contratos de franquia. Há muito se discute se, deste contrato, que é híbrido, com obrigações variadas, é possível instituir e cobrar o imposto que incide sobre serviço, o ISS. É do município o direito de instituir impostos que incidam sobre serviços de qualquer natureza, desde que estes mesmos serviços não estejam na competência dos Estados, ou seja, não sejam serviços de comunicação, nem de transportes interestaduais tampouco serviços de transportes intermunicipais – e desde que previstos igualmente em lei complementar.
O município não pode inovar para além daquilo que prevê a lei complementar federal, nem exigir imposto que atinja serviços que estão no rol dos Estados. O município tem também o direito de exigir ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) de serviços não outorgados à competência do Estado e desde que previstos e definidos em Lei Complementar a ser editada em nível nacional (a atualmente vigente é a de nº 116/2003).
No entanto, há um pressuposto: a incidência do ISSQN depende da existência de um serviço. Desde que este não seja da competência do Estado, e, além disso, que esteja previsto em Lei Complementar. É imperioso, porém, que a lei complementar federal que contemple os serviços que serão atingidos pelos municípios hospede, no seu rol de serviços, por mais redundante que isso possa parecer, apenas serviços. Há, pois, desnecessário dizer, uma premissa constitucional: o ISSQN há de incidir apenas sobre serviços. A lista da lei complementar federal só pode hospedar serviços.
A aferição da constitucionalidade de quaisquer dos itens da Lei Complementar que define os serviços que poderão sofrer com a fúria arrecadatória do Município depende do exame do conceito de serviço. É que, com efeito, a Constituição outorga competência ao Município para instituir imposto sobre serviços.
O Supremo Tribunal Federal finalizou, no último dia 29 de maio de 2020, em sessão virtual do órgão pleno, o julgamento do Recurso Extraordinário n.º 603.136. O acórdão não foi publicado. O resultado, porém, é público e reconheceu a constitucionalidade do item da lista pendente a autorizar a tributação de ISSQN sobre franquia.
É razoável concluir que o Supremo Tribunal Federal, respaldando seu entendimento na expressão “qualquer natureza”, que acompanha na Constituição Federal o termo “serviços” sustenta a possibilidade de instituir ISS sobre outras operações que não aquelas que sejam relativas essencial e genuinamente a esforços humanos prestados em favor de terceiros, os serviços.
O Supremo não fez eco ao melhor direito ao permitir incidência de ISS sobre contrato híbrido, mas contemplativo, especialmente de cessão de marca. Está a permitir incidência de ISS sobre aquilo que não é serviço.