A presença de Daniel Dias entre os 100 maiores atletas homens do século 21, em lista feita pela equipe do jornal espanhol Marca, tem grande representatividade ao paradesporto, não só no Brasil. À Agência Brasil, o próprio nadador resume: “Estão nos reconhecendo como a gente sempre quis: como atletas, ponto”.
O paulista de 32 anos é o único representante do esporte adaptado na lista. Ao mesmo tempo, é prova da mudança de perspectiva do movimento, ao ter enaltecida as 24 medalhas conquistadas nas três Paralimpíadas que disputou – média de oito por edição. Tanto que o artigo sobre o brasileiro, pulbicado na última quinta-feira (12) no periódico Marca, destaca que nos Jogos de Tóquio (Japão) em 2021, o brasileiro pode superar os 28 pódios olímpicos alcançados pelo norte-americano Michael Phelps – justamente o escolhido como atleta do século 21, com quem o brasileiro é comparado. É interessante observar que não se fez, aí, distinção de tamanho ou importância entre olímpico e paralímpico.
A Espanha não é exatamente uma potência paralímpica. Na verdade, o país teve uma queda no quadro de medalhas de 2004 (total de 71, sendo 20 douradas) para 2016 (31, nove de ouro). Porém, quando os Jogos foram lá, em 1992 (Barcelona), os espanhóis abraçaram o evento, reunindo cerca de 65 mil pessoas na cerimônia de abertura e outras 1,5 milhão durante a realização as disputas. Parece pouco quando se lembra que, no Rio de Janeiro, foram mais de 2,1 milhões de ingressos vendidos. Há de se ponderar, no entanto, o número de países participantes (82 em Barcelona, 159 no Rio) e de modalidades (15 na edição espanhola, 22 na brasileira).
“Chama atenção quando você tem o reconhecimento em um país no qual a visibilidade do paradesporto é bem diferente do Brasil. Se for comparar, sou mais conhecido por aqui do que que fora, mas eles também valorizam atletas que têm suas conquistas. Eles podem não me conhecer por eu ser de outro país, mas, com certeza, já ouviram falar”, analisa.
Há outros detalhes que engrandecem o feito. O futebol é o esporte mais popular na Espanha. O maior clube do século passado pela Fifa (Real Madrid) e aquele mais vitorioso de 2001 para cá no mundo (Barcelona) são de lá. Não é de se estranhar que entre os cinco brasileiros que aparecem na lista do periódico Marca, os dois primeiros venham do esporte bretão: Ronaldo e Ronaldinho. O primeiro teve passagem marcante pelos dois gigantes espanhóis. O segundo foi ídolo no Barça e até aplaudido em Madri pela torcida rival. Ambos campeões mundiais e ganhadores do prêmio de melhor jogador do mundo.
Significa dizer que, para o jornal espanhol Marca, entre os atletas brasileiros, Daniel só está atrás dos dois jogadores quando se trata de relevância no mundo esportivo no século 21. O nadador é considerado, portanto, o principal nome do país fora do futebol. Daniel Dias está à frente, por exemplo, de Giba, ídolo do vôlei nacional e membro da vitoriosa geração dos anos 2000, dirigida por Bernardinho. Ele supera, também, aquele tido como maior jogador da história do futsal, Falcão.
No recorte da natação, Daniel também se destaca: é o terceiro entre os oito selecionados para o top-100. Na frente dele, aparecem apenas Michael Phelps e o australiano Ian Thorpe, astro das piscinas no início deste século. O brasileiro deixa para trás gente como o holandês Pieter van den Hoogenband, o norte-americano Ryan Lochte e o japonês Kosuke Kitajima – todos recordistas mundiais e campeões olímpicos.
Em qual momento teria o nadador paulista se credenciado para esse “olimpo”? No artigo sobre Daniel Dias, assinado pela jornalista Almudena Rivera, o destaque é o desempenho dele na Paralimpíada de Londres (Reino Unido), em 2012. “Foram os jogos de sua consagração. Banhou-se em ouro nas seis vezes que mergulhou na piscina e estabeleceu quatro novos recordes mundiais”, cita o texto, enaltecendo-o “por demonstrar, uma vez mais, sua maestria nos quatro estilos”.
Não é coincidência que essa edição tenha sido a que mais holofotes depositou em Daniel. O próprio atleta considera que a competição em Londres mudou a maneira como o mundo enxergava o esporte adaptado. “Ali, começa a ter uma virada, a mídia a divulgar mais. Foram Jogos diferentes de Pequim (China, em 2008). No Brasil, a gente teve um boom em 2016, do público conhecer mais, mas, vejo que a mídia começou a mudar a forma de ver o paradesporto em 2012”, destaca.
De fato, a Paralimpíada de Londres foi transmitida para 115 países, com 3,8 bilhões de telespectadores acumulados. Quatro anos antes, em Pequim, 80 nações puderam acompanhar o evento. Além disso, em 2016, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês) divulgou que a audiência acumulada dos Jogos cresceu 127% em 12 anos, ou seja, entre as edições de 2004 em Atenas (Grécia) e a Rio 2016. Já as disputas na capital fluminense foram acompanhadas por 4,1 bilhões de telespectadores no planeta. Por aqui, a TV Brasil transmitiu as brigas por medalha ao vivo, inclusive, as nove conquistadas por Daniel Dias.
Há um último detalhe a ser mencionado sobre a presença de Daniel no top-100: entre os brasileiros, ele é o único ainda em atividade. Ou seja, em uma futura atualização dessa lista, ele pode até subir mais alguns degraus – quem sabe, logo após os Jogos de Tóquio, adiados para o ano que vem. Após quase dois meses e meio longe da água devido às restrições de treinamento impostas pela pandemia do novo coronavírus (covid-19), o nadador conseguiu recomeçar os treinos em Bragança Paulista (SP), onde medidas de flexibilização da quarentena já entraram em vigor. Na cidade de São Paulo, a reabertura do Centro de Treinamento Paralímpico para atividades físicas ainda não foi autorizada.
“Foi um momento bem difícil na vida de todo mundo. Os atletas também foram muito afetados, mais de 70 dias em casa sem poder, no caso, entrar na piscina. Fazia alguma coisa (de exercícios) em casa, mas não se compara. A gente teve que manter uma rotina e ter esperança, pensamento positivo, aproveitar para estar com a família. Em Bragança, graças a Deus, já foi possível voltar e nossa equipe, não só eu, já pensar em Tóquio 2021, traçar um planejamento e conseguir executá-lo”, conclui.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues