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Doenças raras no Brasil aumentam 150% em 4 anos

Divulgado pelo Jornal da Unicamp, em Bela Cruz, Trairi, Forta­leza, Mulungu e outras 10 cidades cearenses, pesquisadores de São Paulo e do Ceará identificaram 27 pessoas de 22 famílias com uma doença genética rara chamada picnodisostose. Causada por mutações que favorecem o acúmulo de cálcio nos ossos, essa enfermidade caracteriza-se pela baixa estatura, imperfeições na estrutura da cabeça e da face, dedos curtos e ossos frágeis. Ampliando o estudo, os especialistas encontraram 15 pessoas com a mesma doença em nove cidades da Paraíba, Goiás, São Paulo, Maranhão e Rio Grande do Sul. “As famílias com picnodisostose de fora do Nordeste não se conheciam, mas tinham um ancestral comum no Ceará”, explica a médica geneticista coordenadora do estudo. Em novembro, sua equipe trabalhava nos exames de seis moradores de duas famílias de Salvador, na Bahia, com essa doença, a mesma do pintor francês Henri de Toulouse-Lautrec (1864- 1901). “À medida que procuramos”, diz ela, “as doenças raras se mostram não tão raras assim”.

A picnodisostose é uma das patologias que constam de um novo censo nacional sobre a ocorrência de doenças raras, de origem genética, ambiental ou congênita, feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Instituto Nacional de Genética Médica e Populacional (Inagemp). Em relação ao mapeamento anterior, realizado em 2014, o trabalho atual ampliou de 88 para 144 o total de municípios com alta prevalência (pro­porção de casos na população) de pessoas com doenças raras. O estudo mostrou que a quantidade de pessoas identi­ficadas com esse tipo de enfermidade subiu de 4.100 para cerca de 10 mil no país. “Conseguimos agora ter uma ideia melhor das mutações e dos erros de metabolismo que causam as doenças genéticas raras e da quantidade de pessoas que estão ou não sendo tratadas”, explica a médica geneticista coordenadora do levantamento atual e do anterior.

A amostragem ainda é limitada. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil abrigaria cerca de 13 milhões de pessoas com alguma enfermidade dessa categoria, ou seja, um a cada 16 indivíduos. “Cada doença pode atingir um número reduzido de pessoas, mas a soma de todas elas afeta uma parcela expressiva da população”, comenta Lavínia. Existem de 5 mil a 8 mil doenças raras conhecidas, em geral crônicas e progres­sivas. A maioria (80%) é causada por mutações genéticas, incluindo formas de câncer hereditário. Outras são causadas por fatores ambientais, como as malformações decorrentes da infecção pelo vírus zika. Para a maioria dessas doenças, não há medicamentos específicos, apenas tratamento de apoio, como fisioterapia e fonoaudiologia. Quando existe medicação, é geralmente importada e obtida por meio de decisões judiciais.

De acordo com os levantamentos do Inagemp, a maioria das pessoas afetadas vive no Nordeste, onde o casamento entre parentes, uma prática que favorece a propagação de mutações patogênicas, é mais comum que em outras regiões. A cidade de Monte Santo, na Bahia, apresenta casos de mucopolissadaridose, fenilcetonúria e surdez congênita. Em sete municípios do Rio Grande do Norte – Serrinha dos Pintos, Martins, Coronel João Pessoa, Doutor Severiano, Encanto, Pau dos Ferros e São Miguel – cerca de 70 pessoas aparentadas foram diagnosti­cadas com uma síndrome degenerativa chamada spoan, que causa deformações nos pés e nas mãos. A mutação no gene KLC2, causadora da spoan, deve ter surgido no país há 485 anos, em filhos de casais aparentados de judeus ou mouros que podem ter migrado da península Ibérica para fugir da Inquisição. Essa população se instalou no litoral e depois no sertão do nordeste, de acordo com um estudo do biólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Allysson Allan de Farias. “O estudo da história da movimentação de populações humanas pode enriquecer o trabalho da genética médica”, comenta Farias.

As pesquisas sobre doenças raras constituem um campo ainda em formação. “Precisamos fazer ajustes nos estu­dos para que as pessoas com esse tipo de problema sejam reconhecidas, encaminhadas ao sistema público de saúde e tratadas de modo adequado”, observa a médica geneticista Angelina Acosta, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Existem cursos e centros de atendimento especializado, mas o desconhecimento dos médicos e da população sobre as doenças raras é grande e dificulta o diagnóstico.” Apesar das adversidades, uma equipe do hospital da Universi­dade Federal do Amazonas (Ufam) identificou em uma menina de 2 anos e meio de idade calvície precoce e outros sinais de senilidade prematura, típicos de uma doença genética conhecida como progéria ou síndrome de Hutchinson-Gilford. Extremamente rara, com uma prevalência de um a quatro casos para cada grupo de 8 milhões de pessoas, essa patologia incurável é caracterizada pelo envelhecimento acelerado, em média sete vezes mais rápido do que o habitual.

Nem sempre as manifestações clínicas das doenças raras são tão evidentes ou de fácil reconhecimento, como no caso da progéria. “Em geral, seus sintomas aparecem quando a doença já está estabelecida no organismo, causando danos aos órgãos centrais, como coração e fígado, e se confundem com os de problemas de saúde mais comuns”, diz a pediatra Carmela Maggiuzzo Grindler, coordenadora estadual de triagem neonatal e do projeto de implantação de políticas de doenças raras da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Outra dificuldade é que não há códigos específicos para doenças raras no sistema público de saúde, um empecilho à elaboração de levantamentos populacionais mais precisos.

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