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Não dá sorte, dá azar

O presidente Jair Bolsonaro compartilhou no domingo (31 de maio) um bordão popularizado pelo ditador fascista Benito Mussolini – “Melhor viver um dia como leão do que cem anos como cordeiro” (Painel, Folha, 2/6).

Sua vocação recolheu essa frase, como o imã de seus adeptos.

Só pode dar azar.

Afinal, Mussolini foi alvo do heroísmo da Força Expedicionária Brasileira, que no seu retorno não mais suportava, tal como a nação brasileira, o regime autoritá­rio instalado em 1937.
Buscar esse tipo de lição no inimigo é afrontar o brio das Forças Armadas do Brasil. Aliás, os generais que o circundam, e que ele sempre desprezou quanto à hierarquia, permanecem distraídos no festim do poder.

Dá azar.

Antes da frase, o nosso presidente deveria saber o trágico final de seu autor: tentando fugir para a Suíça, ele foi apanhado pelos partisans e preso. Essa prisão aconteceu no dia 27 de abril de 1945. Sua amante, chamada Claretta Petacci, esta­va com ele. Julgados e condenados à morte, foram executados a tiros.

Os corpos foram levados para Milão, onde a população enfurecida chutou, baleou e cuspiu no corpo de Mussolini.

Deu azar.

Depois, ambos foram dependurados de cabeça para baixo, com a população em delírio, festejando. Repete-se a cena como aviso fúnebre.

Deu azar. Dá azar.

Tem outro que ele tanto admira: Hitler. Tanto que copiou a frase de seu reina­do “A Alemanha acima de todos”. Hitler também deu azar.

Promoveu a morte de 2O milhões de russos, mais de seis milhões de judeus, milhares de soldados aliados. Sua morte foi como a de um rato queimado num buraco fortificado, chamado bunker.

Deu azar. Dá azar.

Ah! Tem outro. O do Chile. O sanguinário general, serviçal de interesses estrangeiros, o tal Augusto Pinochet, responsável pelas mortes, no Estádio Na­cional de Santiago, inclusive com o corte das mãos do poeta cantador e milhares de mortos nas terras chilenas, e de opositores, mesmo a de militares em terras estrangeiras, com as explosões de Buenos Aires e Washington.

A história, no entanto, tem sempre um “mas”. De repente, um magistrado ho­nesto, o espanhol chamado Baltazar Garzon, defensor dos direitos humanos, expede ordem de prisão contra Pinochet. Ele é preso por crime contra a humanidade. A representação é sobre a Operação Condor, que os países do Cone Sul concordaram em matar opositores do regime, sequestrados ou mortos, no país onde estavam.

Esse exemplo marcou a jurisprudência internacional, celebrando jurisdição transnacional como complementar da nacional. Ficou preso em Londres, durante 503 dias. Depois, no Chile, a Suprema Corte decretou-lhe prisão domiciliar, na ca­pital que suas tropas, homicidas da democracia, haviam bombardeado. Foi preso como responsável pela morte de nove opositores.
Morreu, encolhido, como um ratinho feio, mas deixando mais de 120 contas bancárias esparramadas pelo mundo, que receberam o fluxo do dinheiro chileno e, quiçá, de outras fontes, por sua traição à democracia.

Deu azar. Dá azar.

Mesmo assim, o presidente e o seu ministro da economia, que quer só vender o Brasil, quiseram primeiro visitar o Chile, e lá defenderam a tortura e Pinochet. Só que os chilenos sabem que a tortura humilha fisicamente o torturado e apodre­ce moralmente o torturador.

Deu azar. O Chile se rebelou em seguida, querendo uma Constituinte. Não suportou a visita da dupla. Deu azar.

Ainda, e por último, a consciência da civilização criou o Tribunal Penal Internacional, que caça genocida. É bom morrer pouco com a pandemia, ou não morrer ninguém, como gostaríamos, porque pode dar azar. O cumprimento da pena pode ser numa cela solitária da Europa, longe dos milicianos do Rio de Janeiro, longe do condomínio onde residia o presidente e o chefe da milícia do sindicato do crime, sem que ele, presidente, soubesse, segundo disse.

Mas pode dar azar. Como tantas vezes a consciência humana, no trilhar da história, fez com que desse azar e sorte.

Cuidemos da sorte, portanto.

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