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Após a Peste Negra

No início dos anos 1340 da era cristã, os europeus começaram a ouvir relatos de que doença misteriosa estava promovendo uma enorme mortandade na Ásia. Na ocasião, já havia uma globalização incipiente, com rotas comerciais cortando a Eurásia, bem como frotas singrando o Mar Mediterrâneo. Era a Peste Negra. Ninguém sabia sua causa, mas ela se espalhava com velocidade espantosa e matava num par de dias.

Bastaram alguns anos para que ela aportasse na Europa, em 1347. Da Sicília, foi se espalhando até alcançar todos os cantos do continente europeu, com seu rastro de morte e destruição. Muitos séculos depois, descobriu-se que era uma doença provocada pelo bacilo Yersiniapestis, causador de um tipo de febre bubônica. O vetor do bacilo eram as pulgas do rato, que transmitiam a moléstia de seu hospedeiro para os humanos.

É bem verdade que as condições de higiene pessoal e social eram muito precárias e favoráveis à peste. Nas cidades, o lixo e os dejetos humanos eram lançados nas ruas, que se transformavam em esgoto a céu aberto. As pessoas da época não tomavam banho com regularida­de, talvez duas ou três vezes por ano e usavam suas roupas sem trocas frequentes. Os roedores eram companhia aceita nas casas. Como não sa­biam o que estava acontecendo, passaram a perseguir os judeus acusados de promover a epidemia, matando-os em fogueiras. Não havia remédio, a única solução possível era fugir para os campos.

A Peste Negra matou metade da população europeia. Quando ela terminou em 1350, iniciaram-se cinquenta anos de enormes mudanças. A organização social europeia era o feudalismo, no qual os senhores das terras possuíam direitos em relação aos servos que nela moravam. Nas cidades, os artesãos reunidos em corporações de ofício, regulavam os preços e o acesso às profissões. Com a drástica diminuição de pessoas, jovens sobretudo, começou a faltar mão de obra. Os preços dispararam.

Como a falta da mão de obra era maior do que a oferta, os antigos vassalos e aprendizes de profissões começaram a trabalhar mediante salário, criando assim uma nova classe social, de maior poder aquisiti­vo e que incorporou hábitos mais sofisticados. As fábricas de Flandres que produziam tecidos simples e sem cor tiveram que mudar e oferecer panos mais claros e decorados. Houve um aumento da produtividade agrícola, pois se cultivavam somente as melhores terras. O feudalismo caminhou célere para sua extinção. Outra mudança, foi a aceitação de mulheres em trabalhos outrora masculinos, como ferreiras e estivadoras, embora menor remuneradas do que os homens.

Com a mão de obra cara, que se refletia no preço das mercadorias, começaram a surgir iniciativas tecnológicas para o desenvolvimento de invenções que poupassem o trabalho manual em vários campos. Uma delas foi a imprensa. Antes, copistas debruçavam-se meses e anos para produzir um livro, agora, com a prensa móvel, eles eram disponibiliza­dos rapidamente e em quantidade.

Pesquisas levaram à construção de navios que necessitavam de menor tripulação e mesmo as guerras, que demandavam um enorme contingente de soldados, agora com soldos caros, deu origem a uma indústria de armas, com o surgimento do mosquete e do canhão, que diminuíam a necessidade de muitos homens. A experiência médica durante a pandemia levou ao surgimento de vários cursos de medicina e à criação do hospital como centro de cura e não depósito para onde levados os pacientes para morrer.

Como diz John Kelly na sua magistral e definitiva história da pan­demia, A Grande Mortandade, “Por mais horrendo que possa ter sido o período de morte impiedosa, a Europa emergiu do ossuário de pestilên­cia e da epidemia purificada e renovada, como o sol depois da chuva” .

Como será o nosso amanhã?

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