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Bom dia, tristeza

A música “Bom dia, tristeza” é a única e inusitada composi­ção de Vinícius de Moraes em parceria com Adoniran Barbosa.

Ela tem uma história bem interessante: os versos de auto­ria do poetinha Vinícius de Moraes foram enviados por ele de Paris (ele trabalhava na embaixada brasileira na França), por correio, a Aracy de Almeida, a fim de que ela fizesse o que bem entendesse com eles. Aracy, então colega de Ado­niran Barbosa na Rádio e Televisão Record de São Paulo, solicitou então a ele que os musicasse. Mestre Adoniran desincumbiu-se plenamente da tarefa, e o resultado foi mais uma página antológica de seu trabalho autoral, disse Samuel Machado Filho.

No final da década de 1950, uma parceria improvável na música brasileira resultou em uma memorável obra. Vinícius de Moraes sequer conhecia Adoniran Barbosa, mas um des­ses felizes acasos da vida iria nos presentear com “Bom dia, tristeza”, uma bela música interpretada por grandes nomes da MPB, como Maysa, Chico Buarque, Elis Regina, Altemar Dutra, Aracy de Almeida, Roberto Ribeiro, Jair Rodrigues, Elizeth Cardoso, dentre tantos outros.

Os versos foram escritos pelo poetinha a pedido de Aracy de Almeida, em 1957. Há, contudo, diversas versões para a gênese da poesia. Uns afirmam que teria sido escrita em Paris, outros dizem que foi em um bar, no Rio de Janeiro, o texto teria sido em um guardanapo. Todos afirmam, entretan­to, que a letra foi entregue a Aracy, após o poeta ter dito que ela fizesse o que quisesse com o poema. O certo é que Aracy entregou a obra para Adoniran Barbosa, seu velho amigo, que colocou a música.

Embora a música tenha tido uma grande repercussão, Vi­nícius pouco falou sobre seu poema, a maioria dos registros da história da extraordinária parceria foi feita por Adoniran. O mais famoso relato foi durante uma divertida entrevista dada a Elis Regina, em 1965, no famoso programa “O Fino da Bossa”, apresentado na TV Record, veja a transcrição de um trecho da conversa do sambista paulista:

“Elis: Como é que você se tornou parceiro de Vinicius de Mora­es sem sequer conhecê-lo?
Adoniran: Fácil, é fácil, fácil. A Aracy de Almeida, que é muito amiga dele (ele estava em Paris nessa ocasião, na Unesco) rece­beu uma carta dele e dentro da carta veio assim essa letra, dois versinhos, e dizia embaixo “Aracy, faça o que você quiser com esses versos”.
Elis: Então a Aracy pegou e deu pra você.
Adoniran: Então eu tava pertinho dela, não é? E ela era ligação minha, não é? Ela disse “Ô, Adoniran, bota a música aí”.
Elis: Quer dizer que a letra é de Vinicius de Moraes e a melodia é que é sua.
Adoniran: A letra é de Vinicius e a musiquinha é minha.

Adoniran parece ter entendido o sentimento do poetinha e, com rara felicidade, colocou uma música em ritmo melódi­co mais do que adequado ao tema – triste, melancólica, bem ao tradicional estilo dos sambas-canções de dor de cotovelo bastante populares à época.

Salve Adoniran e Vinícius, parceiros em uma única com­posição, uma obra prima maravilhosa e inesquecível.

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