Tribuna Ribeirão
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Diospiro

Meu amigo doutor Eduardo Antão, narrava que um brasilei­ro, dirigindo um automóvel, cruzava Portugal, rumando para a Espanha. Pretendia atravessar a fronteira na cidade de Badajoz. Por mais que corresse, não chegava nunca.

De repente viu um casal, todo vestido de preto, no acosta­mento. Parou o carro e perguntou se aquela era a estrada que ia para a Espanha.

O senhorzinho muito educado respondeu que não sabia, mas, estava muito surpreendido porque se aquela estrada fosse para a Espanha iria fazer muita falta para os portugueses.

Brasileiros e portugueses falam a mesma língua. Mas não usam a mesma linguagem. Daí os conhecidos encontros e desen­contros dos dois lados. Não seriam quatro lados?

De certa feita, com alguns amigos fomos jantar num pequeno restaurante perto da Sé de Braga. Terminada a refeição alguém perguntou ao garçom se não havia uma fruta para a sobremesa.

Ele, prontamente, respondeu que tinha “diospiro”. Pedimos o diospiro e descobrimos que era o extravagante nome que os por­tugueses usavam para batizar o “caqui”, palavra que vem da língua japonesa. A fruta vermelha, como se sabe, é a mesmíssima.

Numa outra ocasião, vários amigos foram jantar no “Manoel”, restaurante lusitano localizado na praça principal de Bruxelas. Quase imediatamente a primeira garrafa de vinho foi esvaziada. Um dos nossos pediu ao garçom outra, porque aquela “furou”. O garçom português levou um susto, passou a procurar o “furo” na garrafa, sem encontrá-lo.

Nos livros escritos pelos extraordinários professores de Coimbra sempre nos deparamos com a palavra “laia” que lá em Portugal signi­fica “categoria”. No Brasil “laia” significa “má categoria”.

Numa rua da cidade do Porto uma menina perguntou-me se o Brasil era tão “giro” como a TV mostrava. Perguntei-lhe o que era “giro”. “Giro” significa muito bonito, disse ela. Respondi que às vezes o Brasil era “giro”, outras vezes não. Talvez “giro” seja sinônimo de “bacana” que nós herdamos do espanhol falado na Argentina.

A mais bela carruagem dos antigos reis portugueses foi produzida em Berlim. Recebeu o nome de berlinda. Quando alguém era convidado para dar uma volta nela, as pessoas diziam que o fulano estava na “berlinda”. O vocábulo até hoje é usado no Brasil, onde nunca houve uma berlinda.

Os portugueses, quando eram donos dos mares, vendiam cai­xotes de chá para os ingleses. Do lado de fora do caixote escre­viam: “transporte de especiaria asiática”, expressão que, quando reduzida para as letras iniciais, virava “tea”, palavra extravagante até hoje usada pelos ingleses para dizer “chá”.

Na mesma época, os portugueses passaram a vender um tempero, trazido da Ásia, que passou a ser chamado “Pimenta do Reino de Portugal”. No Brasil, até hoje usamos a pimenta do reino sem saber que no passado tinha registro português.

Outra vez passeava pela cidade de Évora quando uma senho­ra perguntou-me se era brasileiro.

Sim. Por favor, disse ela, meu irmão Heraldo foi para o Brasil há mais de 30 anos. Escrevia de vez em quando, mas há muito tempo não deu mais sinal de vida. Se o senhor encontrar o Heraldo no Brasil, por favor, diga a ele que nós precisamos muito dele. Os seus olhos ficaram averme­lhados documentando muita dor. Cada palavra reflete a realida­de do seu usuário. Dela ninguém foge.

Prometi procurar o Heraldo. Mas o Brasil é maior do que a dor daquela senhora. Tão grande que não consegui até hoje cumprir a minha palavra.

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