Tribuna Ribeirão
Geral

Larga Brasa

Estudante em recuperação
Um velho fazendeiro das bandas de Minas Gerais sempre criou os filhos e principalmente as filhas nos métodos antigos da “tradicional família mineira”. Sempre vivenciando as questões da terra, do plantio e da lida com o gado. Ele não tinha outros horizontes a não ser as montanhas que cercavam sua proprie­dade encravada nos mais distantes rincões dos centros mais desenvolvidos. Tudo ele resolvia pelo velho telefone, somente comparecendo à pequena cidade quando precisava de finan­ciar a safra, o que não gostava muito, pois achava que o banco era pior que um bando de gafanhotos, retirava o lucro como se comessem as plantações. Não era dado também a “puxasa­quismo” de políticos e nem ligava para as brigas das corpo­rações partidárias. Sempre foi UDN e somente mudou para o partido de Juscelino, pois ele era mineiro de quatro costados.

Empregados fiéis e esposa competente
Sempre o fazendeiro teve na esposa a mais competente com­panheira que o auxiliava em tudo. Na complicada matemática do “deve” e do “haver” da contabilidade como também nos pagamentos e recebimentos. Certo dia, a esposa chegou toda cheia de dedos e, alisando os cabelos do fazendeiro foi lhe dizendo de mansinho que a filha mais bonita e a mais chega­da ao pai, deveria sair da pequena cidade e ir para um centro maior onde estavam as melhores universidades e havia um centro de estudos mais avançados. A jovem havia escolhido formatura em medicina. Precisaria morar fora. A primeira que sairia “debaixo da saia da mãe” e longe do aconchego do pai. O produtor rural, mais da antiga, não gostou da notícia. Tentou argumentar de toda a maneira para que houvesse uma solu­ção caseira. Filha tinha que se preparar com a mãe para ser boa esposa e encontrar um noivo que fosse das tradicionais famílias com posses ou então algum médico ou funcionário do Banco do Brasil. Eram os cobiçados da época. A mãe, com jeitinho, foi abrandando os nervos do companheiro e conse­guiu que a filha fosse para a cidade maior, desde que fosse para uma casa de confiança (do fio do bigode) e que estivesse sempre em contato com a família. Para tanto, ele comprou um moderno telefone que substituiu o rádio de ondas curtas com o qual se comunicava com todos que necessitava.

Acompanhamento qualificado
No dia da mudança para a grande cidade do estado de São Paulo veio a família inteira em uma van alugada. Marido, esposa, avós, irmãos, cachorrinho e papagaio. Chegaram ao local escolhido e foram recebidos por uma velha senhora que tomava conta da pensão qualificada. Depois de muita conversa e muitos cafe­zinhos deixaram a prenda preciosa aos cuidados das colegas e da responsável pela casa. Foram para Minas Gerais, para os grotões da Serra da Canastra com os corações apertados.

Longe dos olhos e dos corações
A jovem, desde que conheceu o brilho e a noite da grande cidade, com os barzinhos, boates, raves e outros entreteni­mentos, deixou de se comunicar com a família. Vez por outra mantinha algum contato breve pelo telefone novo que o pai comprara dando notícias sucintas, lacônicas. O pai não estava gostando da distância e da falta do contato que ele sempre pregava. Sem dizer nada para a esposa, alegando negócios de compra de adubos para a lavoura foi à cidade onde estudava sua filha. Primeiro compareceu à pensão, onde ficou sabendo que a filha havia ficado “em recuperação” e estava estudando com colegas em outro local. Ele então ficou em famoso hotel, mas sua impaciência o impedia de dormir. Ficou no saguão principal conversando com os atendentes.

Book
Em dado momento um jovem acostumado a alguns segredos do hotel achegou-se ao velho que não falava muito e observa­va a tudo e disse se ele não queria observar um “book” onde estavam as melhores meninas da cidade e da região e faziam um serviço extra para os homens nos apartamentos depois de determinadas horas. No início ele refugou. Depois quis ver o que era aquilo de nome esquisito. “Book”, o que era aquilo que ele nunca havia ouvido falar pelas bandas da sua cidade. Pegou o livro e começou a folear. O rapaz foi explicando o que cada uma fazia, dos malabarismos e posições, com fotos ex­plicativas. Depois de passar por algumas moçoilas e diversas páginas eis que ele se deparou com uma que a primeira vista lhe era familiar. Não era. Era. Quem seria tão parecida com sua filha. O rapaz o orientou e lhe disse que era muito procurada e disputada. Ele pegou o óculos e atentou bem para os detalhes da moça que estava diferente de quando saiu da fazenda. Es­tava produzida. Mas ele não se enganou. Era sua filha.

Contratou a própria filha
O velho manteve a tradicional fleuma mineira. Pediu para o rapaz chamá-la e enviar para seu quarto, o 509. Passados al­guns momentos e eis que a campainha é acionada. Para os dois foi uma grande surpresa era a filha e o pai. O velho quase teve um enfarto. Perdeu a tramontana e a agrediu a filha com toda a violência que nunca havia aplicado em toda a sua vida. Chamaram a polícia. Deu BO. O mineiro deu truco no jogo das cartas de sua vida. Determinou que ela pegasse a mala e vol­taram para Minas. Ele de cara amarrada e ela com hematomas visíveis. A moça não se formou em medicina, mas precisou dos socorros médicos. Como o tempo é o melhor remédio, meses depois ela encontrou um médico que se aventurou pelo interior e com ele se casou. Dizem que foram felizes para sem­pre, com as bênçãos paternas e maternas. O velho se refez e conseguiu mais uma auxiliar para seus problemas contáveis. A mãe foi o algodão entre cristais que impediu algo mais trau­mático. A moça ficou em recuperação. E se recuperou.

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