Serginho Leite, que como diz meu amigo Rolando Boldrin, viajou antes do combinado, tinha um bar numa rua que atravessa a avenida Brigadeiro Faria Lima, em Sampa. Era de porte médio, mas abrigava um palco acolhedor para o conforto dos músicos e muitas mesas que ficavam apinhadas de artistas. Serginho era adorado por todos. Eu o conhecia pela TV, pois durante algum tempo foi presença obrigatória no Domingão do Faustão.
Era humorista, cantor e tocava violão sete cordas e cavaquinho. Lembro-me de que ele fazia um quadro onde imitava Cauby Peixoto e Agnaldo Timóteo, colocava peruca, pintava metade do rosto de negro e metade branca, e com maquiagem sua aparência se aproximava a dos cantores, daí ele mandava ver o samba-canção “Conceição”, era um barato.
Rita Lee convidou Sócrates para o lançamento de seu CD, na casa de shows Via Funchal, na capital. Ele disse que iria com a esposa e um casal de amigos, a roqueira liberou, ele me ligou e lá fomos nós. Era uma sexta-feira. No caminho, o celular do Magrão não parava de tocar. Eram filhos, irmãos e amigos que também queriam estar no show. Por fim, fomos em 22 pessoas.
Imagine o tamanho da nossa mesa! Ao nosso entorno havia muitos artistas, gente de TV e só sei que os garçons ficaram com os braços doloridos de tanto reabastecer nossa mesa com cerveja.
Rita Lee, muito feliz, após o show, nos recebeu no camarim, isso já era mais de uma da madrugada. Depois, Magrão reuniu todos e disse: “Estou indo para o Bar do Serginho Leite, se quiserem ir, me sigam”. Todos embarcaram nessa parada e foi aquela carreata pelas ruas de Sampa. Serginho era o dono do bar e o músico da noite, era seu intervalo e ele estava na porta com um copo de chope na mão, ficou na maior alegria quando viu Sócrates.
A esposa dele, super parceira, nos acomodou e o Doutor falou: “Serginho, adivinhe quem eu trouxe pra dar uma canja no seu bar?” Ele gritou: “Buenão!” Sócrates tinha prometido a ele que me levaria pra cantar lá, mas não me falou nada. Serginho pegou um violão sete cordas, eu um de seis e fomos pro palco, uma penumbra proposital me impedia de reconhecer as pessoas nas mesas.
Passamos o som e Serginho pediu que eu cantasse primeiro “Espelho”, de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro. Queria oferecer a dois amigos compositores presentes que amavam esta música. Ainda disse que faria os bordões idênticos ao original com o seu sete cordas.
Cantei e ele disse: “Cante tudo que você sabe do João Nogueira que eu seguro aqui nos bordões”. E eu mandei ver. Começaram a chegar, pelos garçons, bilhetinhos pedindo mais músicas do grande sambista. No meio da papeladinha veio um da mesa 46 que pedia pra cantar “Espelho” novamente. Virei pro Serginho e disse: “Pô, cara, acabei de cantar essa música, não sou chegado a repetir.”
Serginho comentou: “Eu sei, Buenão, também não gosto, mas o pedido veio do maestro Théo de Barros e Eduardo Gudin”. Théo de Barros é compositor de “Disparada”, em parceria com Geraldo Vandré, e Eduardo Gudin, autor de “Verde”… Perguntei: “Eles estão aqui?” Serginho, orgulhoso, disse: “Olha na mesa 46, eles estão te olhando”. Ao localizá-los naquele escurinho, eles acenaram positivo e eu meio que sem jeito, cantei “Espelho” no maior capricho (hehehe).
A noite seguiu, saímos de lá com o sol beijando a manhã, eram mais de sete horas do sábado e Serginho nos convidando para uma feijoada com samba logo mais às 12 horas, com o sambista Daví, filho do Mengálvio, que jogou no Santos com Pelé.
Entramos no bar, sambistas anônimos e famosos dando canjas maravilhosas e eu tive a honra de dividir um samba com o saudoso Jair Rodrigues e outros bambas. A tarde invadiu a noite e nem sei que horas saímos do bar, só sei que coloquei no meu currículo de botecos mais um bar, o Bar do Serginho Leite.
Sexta conto mais.