A pergunta já foi feita incontáveis vezes a William Shatner, mas desta vez a resposta foi um pouco diferente. O senhor consideraria aceitar um convite para interpretar mais uma vez o capitão James T. Kirk, de Jornada nas Estrelas, na televisão ou no cinema? “Eu tenho dito que não. Mas, olha, se isso significar que a gente terá chegado a um momento em que poderemos sair de casa e voltar a filmar, talvez eu diga que sim ”
Shatner conversou com a imprensa no começo de abril, por telefone, desde sua casa na Califórnia, onde se mantinha confinado em um quarto, conversando com a família pelo celular. “É algo realmente impressionante o que estamos vivendo. Estamos todos, no mundo todo, isolados. Ao mesmo tempo, estamos todos conectados pela tecnologia, nos falando por telefone, nos falando por vídeo. Vamos levar um tempo para entender as ramificações que esse momento vai ter na nossa vida.”
Shatner tem um novo programa no ar nos Estados Unidos, Inexplicável, que chega ao Brasil no dia 2 de maio, no History Channel. A premissa é simples: mostrar mistérios para os quais a humanidade ainda não encontrou respostas – se é que elas existem.
No primeiro episódio, a equipe visita a Floresta Aokigahara, no Japão, e tenta entender os motivos que levam tantas pessoas a escolher o local para cometer suicídio, e também se pergunta, em visitas a outros lugares do mundo: existem casas mal-assombradas, há lugares predestinados à tragédia, com uma energia sinistra que não conseguimos explicar, apenas sentir, de forma intensa?
Ao todo, a primeira temporada traz oito episódios, que passam por diferentes continentes, abordando construções misteriosas, mistérios da mente, criaturas fantásticas ou pessoas que sobrevivem a tragédias das quais seria impossível sair vivas. O objetivo não é dar respostas definitivas sobre esses fenômenos – “a série precisaria ter outro nome”, brinca Shatner – mas mostrar depoimentos de especialistas das mais diferentes áreas, que permitem ao espectador olhar o tema de diferentes ângulos.
“Seres humanos estão sempre em busca de respostas. Mas, e quando elas não existem? Isso nos move, é um efeito muito tentador. A humanidade vive uma jornada constante em direção ao conhecimento Muita gente achava que a terra era plana, e Colombo nos mostrou o contrário. Alguém se perguntou a certa altura: será que é o Sol que gira em torno da Terra ou é o contrário? As respostas a mistérios vão sendo encontradas com o tempo. E com o tempo outras dúvidas vão surgindo. A ansiedade de hoje não é a de amanhã. Na nossa série, mostramos mistérios para os quais não há resposta ainda. Mas podemos acreditar que um dia elas vão existir.”
Não é, no entanto, um processo fácil, diz Shatner. E há quem prefira, mesmo perante evidências científicas, duvidar de certezas como o fato de que a Terra é redonda. “Há pessoas que têm crenças tão arraigadas que não conseguem mudar de ideia. São pessoas inseguras com relação ao mundo a sua volta, que preferem se apegar a algo como forma de segurança, ainda que seja um conhecimento que vem da ignorância. Está em jogo, nesses casos, uma dificuldade de ir adiante, de evoluir”, diz o ator.
Nesse sentido, a série, mesmo ao mostrar o inexplicável, é uma defesa da curiosidade e da ciência. “É como estar em uma caverna”, ele começa, evocando Platão. “Podemos estar no escuro, mas há alguns pontos de luz. Essa luz é a ciência. Mas é fundamental compreendermos que, com a luz, com novas descobertas, vêm também as sombras. Então, à medida que descobrimos algumas respostas, a ciência nos mostra também que haverá sempre mais perguntas, mais mistérios que insistem em existir.”
Aos 89 anos, Shatner conta que sempre foi fascinado por perguntas das mais diversas, desde a infância, quando pela primeira vez foi ao campo e viu as estrelas no céu. “Hoje talvez a grande curiosidade esteja ligada à compreensão da vida após a morte. Já sou um homem de idade, afinal. Eu adoraria acreditar que o pós-vida é um lugar caloroso, onde podemos rever todas as pessoas que já partiram.”
“Um faoreste no espaço”
No fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, a televisão americana era marcada pela presença de séries como Bonanza, Dragnet, Daniel Boone, Perry Mason. Eram histórias ambientadas no velho oeste ou então com detetives como protagonistas.
É nesse cenário que surge Jornada nas Estrelas. De repente, o público era levado para um outro mundo, o século 23. Tudo parecia diferente. E, ao mesmo tempo, familiar: a série apenas levava para o futuro histórias sobre o desbravamento do desconhecido, pontuadas por mistérios que a cada episódio eram resolvidos pela equipe da Enterprise.
Foram apenas três temporadas. Mas Jornada nas Estrelas acabou ganhando um simbolismo maior ao imaginar um futuro diferente, livre de guerras, pautado pelo respeito ao outro. Diz a primeira diretriz: toda sociedade tem seus valores e não cabe à Frota Estelar interferir ou impor sobre elas seus próprios conceitos.
A série foi decisiva na carreira de William Shatner, que viveu o papel do capitão James Tiberius Kirk, assim como na de Leonard Nimoy (1931-2015), o primeiro oficial Spock. Para o bem e para o mal. São conhecidas as histórias de desentendimentos, muitas vezes bruscos, entre os atores e os fãs. Desentendimentos resolvidos com o tempo, vale lembrar.
A série ganhou diversas sequências na televisão, como a Nova Geração, que também chegou ao cinema.
No primeiro filme da trupe comandada pelo capitão Jean-Luc Picard, Generations, Shatner participou. Kirk morre no final, o bastão está passado. E desde então o ator manteve distância desse universo, recusando-se a voltar a viver o papel, ao contrário de Nimoy, que chegou até a participar da nova versão da série no cinema, produzida por J. J. Abrams, responsável por modernizar o universo trekker, abrindo a ele novas possibilidades: a Netflix já produziu duas temporadas de Star Trek – Discovery; e a Amazon acaba de encerrar a primeira temporada de Picard, com Patrick Stewart revivendo seu papel nos anos posteriores à Nova Geração.