Tribuna Ribeirão
Geral

O clube dos nonagenários – final

Na crônica anterior, detalhei aspectos biográficos de quatro cidadãos prestantes: Manoel Penna, empresário, sucessor de Antônio Diederichsen, meu avô e quem me ensinou gerir o Gru­po Santa Emília; Antônio Rodrigues da Silva, dentista formado em Juiz de Fora, curso feito com dificuldades, pois oriundo de família sem grandes posses, meu dentista nos anos 1950/1960 e um dos fundadores da Escola de Pharmacia e Odontologia de Ribeirão Preto, primeira escola de ensino superior da cidade; Luiz Felipe Tinoco Cabral, conceituado médico, com especiali­zação nos Estados Unidos, coisa rara na época e grande amigo de meu pai João Palma Guião; e Ângelo Sampaio, grande figura humana, com histórica tabacaria no hoje Centro Cultural Palace e cultivador de orquídeas e quem me iniciou neste hobby que mantenho até hoje.

Os quatro eram unidos não só por grande amizade, como dedicavam-se à benemerência, notadamente na Santa Casa e no Asilo Padre Euclides.

Quando já tinham mais de 90 anos, fundaram o Clube dos Nonagenários, que se reunia religiosamente cada domingo, das 11:30 às 12:30, no casarão de Manoel Penna, na rua Prudente de Morais. Hoje, uma imobiliária, a grande porta de entrada ainda conserva o monograma MP. O clube tinha três tipos de sócios: os efetivos, que tinham de ter idade igual ou superior a 90 anos; duas beneméritas, minha sogra Nice Penna de Barros Cruz – recentemente falecida aos 98 anos – e sua irmã, minha tia Vera Penna Moreira da Costa, responsáveis pelos quitutes das reuni­ões e os assistentes, nós, os netos de Manoel Penna, que éramos autorizados a participar das conversas quando chamados.

A sessão se iniciava com a medida da pressão arterial dos sócios, feita pelo médico Dr. Luís Felipe Tinoco Cabral. Abrindo seu aparelho de mesa, ia distribuindo elogios – “Nesta semana, você agiu certo, parabéns” ou admoestações carinhosas – “Sua pressão está alta, você abusou na semana”. A seguir eram distribuídas taças de cerveja e servidos pasteizinhos e outros salgados, feitos com restrição de sal e gordura. Uns dos assistentes presentes pingava cerveja preta nas taças e todos as erguiam, enquanto Manoel Penna exclamava: “Como Deus é bom!”. Seguia-se então um papo descon­traído, falando de coisas do passado, da cidade, da empresa, sempre como construtiva contribuição para os mais jovens presentes.

Algumas vezes, havia visitantes esporádicos. Eram amigos antigos, companheiros de trabalho, gente que havia auxiliado na benemerência dos nonagenários. Lembro-me de, um dia, um visitante queixar das suas dores, de ouvir pouco, de andar com dificuldade, desfiando um rosário de desconfortos. “Seo” Penna, na sua posição de filósofo formado na escola da vida, respon­deu: “A culpa é só nossa. Estamos vivendo mais do que merece­mos.” Muito alegres, os nonagenários repetiam casos curiosos e cômicos vividos por eles. Nós nos espantávamos com a memória privilegiada de todos.

Terminado o encontro, era pedido a nós que levássemos de volta às suas casas os sócios do clube. Fiz isto várias vezes. Num domingo, fui escalado para levar Ângelo Sampaio, cuja casa fi­cava na região do Boulevard, fachada coberta por um muro alto, entrada de garagem e um portão pequeno. Saltei rapidamente do carro para ajudar meu carona, mas, quando cheguei à porta, Ân­gelo Sampaio já estava de pé, firme, com a chave do portãozinho à mão. Prontifiquei-me a abri-lo, mas agilmente ele introduziu a chave na fechadura, abriu-o e agradeceu, sumindo lépido para o interior de sua casa.

Todos eles já se foram, mas deixaram seu legado de honesti­dade, trabalho, dedicação ao próximo e amizade.

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