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Neuropsicometria Cognitiva (14): covid-19 e isolamento social

Com o alastramento da covid-19 como relevan­te problema de saúde pública na China, em janeiro de 2020, tornando-se a mesma, na sequência, uma pandemia, aproximadamente um bilhão de chineses começou a enfrentar restrições diversas devido a variados graus de confinamento, tais como, proibi­ção de transporte público, comércio e trabalho, logo seguido de uma quarentena pós-viagens interna­cionais, na qual muitas pessoas foram impedidas de trabalhar e de se deslocarem de modo usual. De modo análogo, inúmeros outros países, ainda que em diferentes momentos, adotaram o isolamento social para conter a pandemia da covid-19, a ponto de diversos estudiosos veicularem que o índice de isolamento social ideal no Brasil seria de 40%. Na realidade, independente da nação em que esta restrição foi imposta, nunca se verificou uma quarentena, ou período de isolamento, tão massivos, envolvendo milhões de pessoas simultaneamente, sem um término a vista. E este fato, por si só, já é uma dimensão emocional e afetiva que afeta a resiliência da saúde mental de todo cidadão.

Certamente o isolamento social é uma “vacina” importante para a proteção social da saúde física, impedindo a disse­minação do vírus. Entretanto, também é certo que, quanto mais tempo estivermos socialmente isolados, maiores serão os riscos de sermos acometidos de transtornos psiquiátricos, psicológicos e cognitivos como alterações de humor, depressão, irritabilidade, ansiedade, medo, raiva, insônia, alteração de apetite, bem-estar subjetivo e outros. Considerando o papel do isolamento social nas condições de saúde dos adultos após o isolamento total determinado pelo governo chinês por um mês, o Dr. Stephen Zhang, da Universidade de Adelaide, Austrália, e equipe empreenderam um estudo (Psychiatry Research, 2020, 288: 112958) visando identificar adultos, com problemas de saúde previamente existentes, e outros, que pararam de trabalhar por causa do confinamento, como sendo os mais vulneráveis à piora da saúde física e mental. Para tanto, a saúde individual de 369 adultos, vivendo em 64 cidades chinesas, que apresentavam variados graus de taxas de coronavírus confirmadas, foi analisada após cada participante ter respondido a um inquérito transversal.

A saúde individual for avaliada por meio do instrumento psicométrico conhecido como Escala de Saúde Física e Mental (SF- 12 forma reduzida). Essa escala tem sido traduzida, adaptada e suas propriedades psicométricas têm sido investigadas em vários estudos interculturais. Ela contém 12 itens e oito dimensões, a saber: funcionamento físico (2 itens), componente físico (2 itens), dor corporal (1 item), saúde geral (1 item), vitalidade (1 item), funcionamento social (1 item), componente emocional (2 itens) e saúde mental (2 itens). As oito dimensões, ou fatores, agregados compõem as subescalas de saúde mental e saúde física, com seus escores variando de 0 a 100, de forma que um escore final da SF-12 mais elevado indica uma melhor condição de saúde.
O estresse psicológico foi mensurado por meio da Escala Kessler de Estresse Psicológico (K6) que também tem sido tra­duzida e adaptada para variadas culturas. A escala contém seis itens que submetidos à uma análise fatorial permite a extração de dois fatores: ansiedade e depressão, representando diferentes domínios do estado psicológico do estresse.

Por fim, os pesquisadores mensuraram um indicador da satisfação com a vida fazendo uso da conhecida Escala de Satisfação com a Vida (SWLS) mundialmente conhecida pela sua facilidade de uso, validade e fidedignidade. A escala foi designada para mensurar os julgamentos cognitivos globais da satisfação com a vida de um individuo (não é uma medida do afeito positivo ou negativo). Nela os participantes indicam o quanto eles concordam ou discordam com cada um dos cinco itens, usando categorias numéricas variando de sete, concorda fortemente, a um, discordo fortemente.

Do total de participantes, 27% trabalhavam em seus escritórios, 38% trabalhavam em casa e 25% pararam de trabalhar devido ao surto do vírus. Os dados categoricamente revelaram que aqueles que pararam de trabalhar registraram piora nas condições física e mental, bem como, o maior nível de estresse. Em adição, a gravidade da covid-19 na cidade na qual esses indivíduos moravam predisse a satisfação dos mesmos com a vida, relação, esta, contingente aos problemas de saúde crônicos preexistentes nesses indivíduos e, tam­bém, dependente do número de horas voltado à prática de exercícios físicos. Em outras palavras, adultos que pararam de trabalhar durante o surto pandêmico registraram piora em suas condições de saúde física e mental, além de se tornarem mais estressados.

Nas palavras do Dr. Zhang, os dados mostram a necessidade de se prestar atenção à saúde das pessoas que não foram infectadas pelo vírus, especialmente aquelas que pararam de trabalhar durante o sur­to e estavam em isolamento total. Os autores ainda destacam que, as pessoas, fisicamente ativas, podem ser mais susceptíveis ao bem-estar subjetivo durante o surto. Em função disso, as políticas públicas de saúde devem considerar introduzir medidas restritivas para conter a covid-19, que possam beneficiar a compreensão de tais implicações para a saúde e o bem-estar subjetivo dos envolvidos.

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