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A caminho do desastre absoluto

Chamou-me a atenção um texto de Luis Felipe Miguel publicado há poucos dias na sua página de facebook. Alguém pode dizer que se trata de um texto pessimista sobre o andar da carruagem da pandemia do covid-19. Prefiro dizer que é um texto bastante realista, mesmo que suas conclusões sejam chocantes e trágicas. Para Luis Felipe Miguel, estamos caminhando para um desastre absoluto. Vamos aos seus argumentos.

Em muitas regiões metropolitanas e cidades, estamos há semanas numa espécie de semiconfinamento – é confinamento, mas com várias exceções à regra geral. Vimos como as lojas de chocolates se encheram às vésperas da Páscoa. Tudo indica que esse semiconfinamento é insuficiente para conter o avanço do vírus. E, se é assim, muito em breve teremos que iniciar um confinamento de verdade, contando a partir do zero.

Ninguém consegue impor confinamento só na base da repressão, como chegou a imaginar o governador de São Paulo. Ele só funciona mesmo com um amplo consenso na sociedade a sustentá-lo. Mas estamos obervando que no Brasil, a construção desse consenso é boicotada sistematicamente por políticos desonestos e religiosos picaretas, que se dispõem a arriscar a vida de todos para garantir o que lhes parece ser um ganho imediato.

Para Luis Felipe Miguel, “o fato de que o discurso de minimização do risco do coronavírus continua circulando é grave também porque funciona de válvula de escape para quando o confinamento se torna pesado.Não é que a pessoa de fato acredite nas asneiras ditas por Bolso­naro, Osmar Terra ou Silas Malafaia. Mas quando a vontade de romper o confinamento fica grande demais, cresce a tentação de conceder a ela o benefício da dúvida”.

Seguindo a estratégia de Steve Bannon, o guru da extre-direita inter­nacional, de abraçar a incoerência sem pudor, os fascistas tupininquins ao mesmo tempo dizem que o coronavírus “é uma gripezinha”, e exigem que os doentes sejam tratados, desde os primeiros sintomas, por um medica­mento forte, com graves efeitos colaterais – e sem eficácia comprovada. É um verdadeiro deboche em relação à medicina, à pesquisa e à ciência.

Constrói-se abertamente uma narrativa em que “eles” trazem solu­ções (a cloroquina) enquanto “a esquerda” (entendida aqui no sentido que o bolsonarismo dá ao termo, uma esquerda cujos protagonistas são Dória e a Globo) traz problemas (o coronavírus). Quando alguém alerta para o crescimento dos casos de contágio e de mortes, parece que está torcendo pelo vírus. Quando alguém enfatiza que faltam muitos testes para provar que a cloroquina é eficiente e que os resultados dos testes até agora feitos estão longe de ser unívocos, parece que está torcendo para que o remédio não funcione.

O desastre se aproxima a passos rápidos. Na quarta-feira passada, já eram 29.015 casos confirmados, e 1.760 mortes. Sem testes suficientes, sabe-se que é enorme a subnotificação dos casos. A realidade pode ser dez vezes maior.

A taxa de letalidade na Alemanha é baixa: 0,37%. Mesmo que a gente reproduza no Brasil os números alemães, mesmo que o colapso do sistema de saúde não leve – como fatalmente levará – a um aumento desses números, esse percentual aponta para a morte de cerca de 700 mil brasileiros. É um número que deveria assustar. Infelizmente, o trabalho ideológico dos políticos e religiosos da extrema-direita passa fundamen­talmente por negar o valor da vida humana.

Luiz Felipe Miguel vai direto ao ponto: “a cada dia, eles dizem que muitos de nós não merecemos viver. Mulheres que praticaram aborto. Lésbicas e gays. Pessoas trans. Comunistas. Umbandistas e candomble­cistas. Ateus. Professores. Jornalistas. Funcionários públicos. A lista não termina. E, como disse certa vez, de forma memorável, o atual presiden­te da República, ‘se vai morrer alguns inocentes, tudo bem’.” Pode chocar a constatação de Luiz Felipe, mas é cirúrgica e precisa.

E faz uma conclusão magistral que assino embaixo: “o vírus é a causa específica do desastre que nos aguarda. Mas as condições para que ele ocorresse vieram dos muitos anos em que nossa ‘elite’ cevou o obscuran­tismo, julgando que ele lhe seria útil.”

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