A pandemia do coronavírus impacta a sociedade dos nossos dias de forma dramática. Não se trata de uma crise que atinge em cheio somente o sistema de saúde, mas sua transversalidade nos sugere que o modo de vida, com que estávamos acostumados, foi colocado em cheque. Talvez o confinamento desses dias corrobore de uma forma enfática esta afirmação. Mas suas consequências vão muito além.
Há quem diga que o neoliberalismo morreu e foi muito bem enterrado em poucos dias. Muitos se deram conta de que existe um “novo pobre” alvo de atenção, tão novo que é difícil de ser encontrado. Outros debitam esta conta na difícil sobrevivência do próprio capitalismo. Foi dito até que uma greve mundial impensada pelos trabalhadores foi desencadeada por um vírus mortal que fisgou primeiro as camadas mais abastadas.
De qualquer forma, esta não foi a primeira pandemia. A história está cheia delas. Algumas impactaram de tal forma certas sociedades que até lhes alteraram o curso da história. Foi assim com a peste negra ou peste bubônica na Europa em meados do século XIV. Muitas são as semelhanças de contexto entre esta peste que ceifou a terça parte da população europeia e o coronavírus.
Ambas se originaram no extremo oriente. Há um consenso geral que a peste negra apareceu primeiro na China por volta de 1333. Outros estudos, mais criteriosos, afirmam que foi nas planícies áridas da Ásia Central, talvez na Mongólia. De qualquer forma, os relatos apontam que foi devastadora a epidemia sobre a população chinesa.
As autoridades de controle de doenças na China identificaram em animais silvestres ou em frutos do mar vendidos no mercado de Wuhan como a fonte mais provável da origem do vírus covid-19. Já a peste negra é de origem bacteriana: ela é provocada pela bactéria Yersiniapestis, que acaba transmitida ao ser humano por meio da picada de pulgas que infestam ratos e outros roedores.
Em ambas, a expansão geográfica seguiu a mobilidade humana. A peste negra seguiu pela estrada da seda, da China até os portos do Oriente Médio e da Ásia Menor e daí, através do mar Mediterrâneo, fulminou toda a Europa matando cerca de 75 milhões de pessoas entre 1346 e 1353. O coronavírus tem expansão rapidíssima, atingindo em menos de três meses todos os continentes.
A peste bubônica apresentava alguns sintomas iniciais como febre alta, calafrios, dores de cabeça e no corpo intensas, cansaço, falta de apetite. Sintomas parecidos com os de uma gripe, exatamente como agora com a coronavírus. Recebeu o nome de “bubônica” porque, em um estágio mais avançado, o doente apresentava um aglomerado de nódulos inflamados, inchaços escuros dos gânglios linfáticos na virilha, na axila ou no pescoço (são as nossas ínguas), chamados popularmente de “bubões”.
A peste bubônica evoluía com bastante frequência para outras variantes como a peste septicêmica (contaminação do sangue) e a peste pneumônica (contaminação dos pulmões com o desenvolvimento da pneumonia). Pelo menos esta última podia ser transmitida pelo contato pessoal, através da tosse ou espirros, especialmente em locais fechados. Aqui vai uma semelhança com o coronavírus.
Naquela sociedade sacralizada, quando alguém aparecia com a doença, todos corriam para a igreja para pedir a cura divina. E todos ali se contaminavam. Qualquer semelhança com as controvérsias atuais em torno do fechamento dos templos não é mera coincidência. A cultura de cada época pode explicar muito dos processos de contaminação epidêmica. E existe hoje todo um movimento de retorno ao teocentrismo.
Gênova e Veneza foram os pontos de entrada da peste na Europa. Os mongóis cercavam a colônia genovesa de Caffa na Criméia (atual Ucrânia). Após dois anos de cerco, surgiu a epidemia entre os sitiantes, que os obrigou a retirar, mas antes disso catapultaram cadáveres infectados para o interior das muralhas, contaminando toda a população.Vários navios genoveses fugiram dali, chegando a diversos portos europeus com os porões cheios dos cadáveres dos marinheiros e ratos contaminados (continua).