O Japão já estava derrotado na Guerra do Pacífico e as tropas aliadas se preparavam para invadir as praias sagradas do país criado pela Deusa do Sol para ser o senhor do mundo. As hostilidades haviam cessado na Europa com a rendição da Alemanha, em 1945, e todas as forças se concentrariam em arrasar o país oriental. Dentre os aliados, havia dois grupos: os que pregavam a invasão do território japonês, mesmo a custa das 200.000 soldados aliados. E outro, que analisava a utilização primeira da bomba atômica desenvolvida pelos Estados Unidos, algo nunca testado antes.
No Japão, também havia duas correntes: a dos pacifistas, que pregava o final da guerra com a rendição do Império e a militarista que defendia, se necessária a morte de toda a população, afinal, morrer pelo Imperador era a mais honrosa das mortes.
Sobre os dias que antecederam a rendição japonesa e as discussões, escaramuças, tentativas de golpe de estado que ocorreram, versa o livro que acabo de ler “História Secreta da Rendição Japonesa em 1945”, muito bem escrito pelo jornalista, diplomata e soldado Lester Brooks, no ano de 1968 e agora impresso no Brasil. O autor serviu no Japão sob o comando do General MacArthur. Afora guardar os nomes das personagens japonesas, o livro é de fácil leitura, prende a atenção, mesmo sabendo qual será o final.
É preciso compreender o espírito japonês para entender o assunto narrado pelo livro. Os japoneses acreditavam que seu império havia surgido em 660 aC, quando o primeiro imperador, Jimmu, nasceu de um crocodilo que foi inseminado pelo neto de Amaterasu, Deusa do Sol. Ele e os que o seguiram seriam considerados o Deus vivo. O país era governado por gabinetes escolhidos na Corte e o Imperador vivia recluso em seu Palácio, inatingível pelo povo.
A imprensa, fortemente censurada pelo militarismo, continuava noticiando as vitórias japonesas, mesmo quando elas já não mais aconteciam. As duas correntes de pensamento se degladiavam. Durante dois meses, esta divisão foi se aprofundando. Mesmo com o lançamento da bomba atômica em Hiroshima, os militares tudo faziam para que a guerra não terminasse, o que ocorreu somente com a iniciativa do Imperador de aceitar as condições dos aliados, depois da bomba em Nagasaki.
A decisão do Imperador-Deus porém não foi aceita por parte de militaristas exaltados. Diziam que o Imperador havia sido enganado pelos pacifistas. O livro descreve minuciosamente o dia a dia estes movimentos. Em 14 de agosto de 1945, o Imperador grava um pronunciamento que iria ao ar no dia seguinte. Sabendo da agitação, um dos seus mais próximos auxiliares esconde a fita gravada nos recônditos do Palácio Imperial. Jovens militares, usando de ordens falsas, tomam o Palácio, mas não conseguem chegar ao Imperador, trancado num subterrâneo com porta de aço.
Descoberta a farsa, os soldados prendem os invasores e tudo volta ao normal. Perplexos, os japoneses ouvem enfim o pronunciamento do Imperador determinando a rendição do país. É um relato profundo dos últimos dias de uma guerra já perdida. O livro é isento, não mostra a visão dos ganhadores, mas, analisa generosamente a posição dos militares, forjada em séculos de pregação de grandeza. Vale a leitura.