Um vírus parou cidades, atividades econômicas e isolou pessoas. Além do combate ao novo coronavírus (covid-19) outros profissionais da Saúde têm um grande desafio: evitar o agravamento de doenças mentais e uma epidemia de doenças psíquicas, como a depressão e a ansiedade.
O jornal Tribuna conversou sobre o tema com o médico psiquiatra Christian Adolfho Diniz do Nascimento, que se mostra preocupado com a possibilidade de crescimento de casos de doenças mentais.
Christian diz que sim, a pandemia do covid-19 e os isolamentos podem provocar quadros de depressão e ansiedade e pânico. “As pessoas com problemas psiquiátricos podem ter seus quadros agravados e muitas mentalmente saudáveis podem ter seus limites de resiliência ultrapassados. A incerteza sobre o futuro, delas e de seus familiares, o medo da morte e do desemprego podem gerar uma epidemia de doenças mentais”.
O psiquiatra revela que outros profissionais da Saúde também estão sujeitos a não resistir à pressão. “É grave. Tenho recebido em meus consultórios vários profissionais de saúde que não estão suportando a situação, seja pelo clima pesado similar a uma situação de guerra ou pelo medo de contaminarem um familiar idoso ou adoentado. E baixas na saúde são muito complicadas na batalha. Por isso, decidi não interromper meu consultório, tomando as precauções de barreira necessárias, organizando de forma a não ficarem pessoas na sala de recepção, fazendo teleatendimento dos grupos de risco quando possível, abrindo horários para casos novos”, diz.
Segundo o médico é importante a manutenção da assistência em saúde mental. “Um caos nessa área pode significar suicídios, descontrole emocional que leve a confrontos de proporções incertas, desde familiares até coletivos. A agressão sofrida recentemente por enfermeiros no metrô de São Paulo, impedidos de adentrar um vagão por estarem com uniforme de uma instituição de saúde pode ser só o começo”, ressalta.
O que fazer para driblar essa armadilha?
Christian se utiliza de um exemplo familiar para exemplificar o que fazer nesse momento crítico. “Minha filha está em confinamento no epicentro da crise, Milão. Felizmente está saudável, mas tem sofrido com o isolamento. Creio que posso citá-la como exemplo prático. Está estudando on-line (a universidade manteve as aulas assim), conversa conosco e com amigos por aplicativos, tem treinado violão, montou uma pequena academia de ginástica em casa. Assim vai mantendo sua saúde mental”, exemplifica.
Ele cita a Fundação Getúlio Vargas e a Unesp como meios de manter a ocupação diária. “Eles disponibilizaram cursos gratuitos on-line. A Escola Ananda de Yoga em Ribeirão Preto montou um grupo para seus alunos e os professores postam aulas. Tentar manter suas atividades e relacionamentos é o mais saudável a fazer”.
E quem faz tratamentos psiquiátricos?
O problema é mais grave para quem faz tratamentos psiquiátricos e está isolado. Segundo Christian esse isolamento pode agravar muito os quadros. “A psicoterapia de grupo é um recurso muito utilizado em pacientes graves em internação e mesmo em pacientes ambulatoriais. Ver-se no outro, compartilhar sentimentos, dividir conquistas e frustrações é fundamental. A solidão é sempre um fator de risco. E mesmo quando se vive em família, as tensões podem deteriorar as relações. Uma paciente me relatou que dois amigos da empresa que trabalhava, em confinamento juntos, numa cidade do exterior chegaram a agressão física e eram grandes amigos. A fragilização emocional das pessoas nesta situação é grande, daqueles previamente frágeis, com ansiedade, depressão e outros transtornos é pior. Além do agravante de alguns não disporem de um psiquiatra para o controle medicamentoso. Por isso não posso parar”, diz.
Fake News, notícias e números de infectados
Diariamente somos bombardeados de informações. São fake news que prestam desserviços à população e muitas notícias de casos de mortes, infectados, problemas financeiros e sociais provocados pela pandemia.
Para quem tem problemas de saúde mental, essas informações provocam efeitos nocivos, segundo o médico psiquiatra. “É terrível. Há poucos dias fiz um vídeo apelando a todos amigos nas redes sociais que não repassassem notícias de números em tempos reais, daqui, da Itália ou de qualquer lugar. Alguns pacientes ficam muito impressionados e fragilizados, com medo e não conseguem se desconectar disso. As pessoas já estão informadas sobre o que fazer, lavagem de mãos, a higiene nasal… cuidados com idosos e tudo mais. Ficar ampliando a tragédia é inútil. E agrava mais ainda os problemas dos pacientes. Então deixem estes números para os profissionais de saúde, epidemiologistas, infectologistas. O que houver de novo e importante eles irão divulgar.
Mesmo a imprensa, embora esteja colaborando muito, por vezes peca em manchetes que só sinalizam o lado ruim. Como a que vi há alguns dias sobre o recorde de mortes na Itália: lendo a notícia toda, você vê que também houve o recorde de curados e que este aumento era maior que o de mortes, então as manchetes precisam mostrar tudo, o bom e o ruim, ter equilíbrio”.
O médico finaliza fazendo críticas aos políticos, “que devem deixar as rixas de lado e as decisões para os profissionais da área, pois temos excelentes, como os de universidades públicas que sequenciaram em tempo recorde o genoma do vírus no Brasil”, conclui.