O representante e consultor comercial Luiz Antônio Bernardes, de Ribeirão Preto estava com tudo planejado. Iria com a filha fazer uma viagem de turismo para a Europa. Iriam, no início de abril, para Portugal e Bélgica. A pandemia do novo coronavírus (covid-19) alterou os planos. Viagem cancelada e dor de cabeça para resolver voos e hospedagem.
Luiz diz que pensa em fazer a viagem posteriormente, mas não obtém respostas. “O problema será conciliar datas disponíveis para eles, para mim e para minha filha”, explica.
O consultor diz que enfrenta problemas, pois não consegue nem resolver os voos nacionais. “Até agora não consegui contato com a companhia aérea. Além da passagem Brasil-Portugal, também tenho outro bilhete comprado em voo Portugal-Bélgica, que também não consegui informação”, conta. “Estou também com hotéis reservados, que estou aguardando se vou conseguir cancelar ou gerar crédito. As informações que tenho são todas através de avisos nos sites. Na Azul (companhia aérea) tento contato telefônico e não completa ligação”.
A situação de Luiz é vivida por centenas de outras pessoas. Segundo o coordenador do Procon em Ribeirão Preto, Feres Junqueira Najm, o primeiro registro de reclamação de consumidor no órgão, relacionado a problemas com voos e viagens foi no dia 26 de fevereiro e está crescendo.
“Tivemos 81 registros desde esta data (26 de fevereiro), sendo que tivemos nos últimos 7 dias, um aumento de registros na casa de 252%”, informa.
Mas o que fazer? Segundo Ricardo Sordi Marchi, advogado especialista em Direito do Consumidor e sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, o consumidor deverá buscar o fornecedor com quem firmou a aquisição do pacote de viagens e externar seu interesse também de maneira expressa (se irá cancelar ou prefere remarcar). “Em ambos os casos deverá aguardar se haverá alguma tentativa e cobrança de multa para que busque seus efetivos direitos”.
Marchi ressalta que cada caso deve ser analisado de maneira singular. “Será uma análise caso a caso, avaliando contrato e também as regras que forem eventualmente editadas no período para definição das devoluções e/ou remarcações. De imediato ele deve já buscar o fornecedor para negociar”, explica.
Datas não “casam”
Há casos que empresas sugerem a remarcação para data posterior, mas há consumidores que não terão possibilidade de viagens num futuro próximo.
Marchi diz que o consumidor deve se manifestar de maneira expressa sobre o interesse na devolução do dinheiro e, caso ainda esteja pagando parcelada a passagem, na interrupção imediata do débito das parcelas.
“A discussão se dará agora na questão da MP 925, de 18/03/2020, que permite às companhias aéreas devolverem em até 12 meses o valor das passagens. Há que se esperar se ela será convertida em lei ou se prevalecerá o direito do consumidor de ser ressarcido integral e imediatamente por conta de cancelamentos”, ressalta o advogado.
Dúvidas frequentes
As empresas de viagens e ou hotéis podem cobrar taxas de cancelamentos?
A advogada Larissa Claudino Delarissa, especialista em Direito Processual Civil, explica que de acordo com a regra geral, quando há celebração de um contrato do mercado de consumo, a expectativa é que a obrigação assumida será integramente cumprida, tanto por parte do fornecedor quanto por parte do consumidor.
“A previsão de multa pelo cancelamento antecipado de um contrato, não é considerada, por si só, uma prática abusiva. Com exceção das hipóteses em que a Lei prevê o exercício do direito de arrependimento, que é o período de 07 dias em que o consumidor poderá desistir das compras feitas de forma online sem pagar qualquer multa, a cobrança da penalidade poderá ocorrer, desde que o fornecedor observe os parâmetros estabelecidos pela legislação específica que regulamenta a sua atividade e pelo Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 51 considera uma prática abusiva, e portanto, nula, qualquer conduta que cause uma desvantagem exagerada ao consumidor”, explica.
Larissa comenta a possibilidade de taxas abusivas que chegam a ser cobradas. “A abusividade de uma multa ou cláusula contratual sempre deve ser analisada caso a caso. Durante um período normal de execução contratual, uma cláusula pode ser considerada justa até que sobrevenha um fato novo e totalmente imprevisto, que cause um desequilíbrio nas prestações e prejuízo para uma das partes. Nessas hipóteses, os valores inicialmente pactuados poderão ser considerados abusivos e deverão ser renegociados”.
Ela explica que a covid-19 é um exemplo desse fato novo e imprevisto que possibilita a renegociação dos ajustes. “Segundo o art. 9º da Resolução Normativa 400/2016 editada pela Anac, as multas contratuais pelo cancelamento de passagem aérea não poderão ultrapassar o valor dos serviços de transporte e não poderão incidir sobre as tarifas aeroportuários e valores pagos pelo passageiro aos entes governamentais. Contudo, a depender do contrato celebrado, essa situação poderá ser considerada abusiva. Para essas hipóteses, o Poder Judiciário tem determinado a aplicação do art. 740 do Código Civil, que prevê a cobrança de multa de 5% do valor pago, desde que a passagem ainda possa ser renegociada pelo fornecedor. Vale lembrar que, para os cancelamentos solicitados em razão da pandemia de covid-19, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 925, de 18 de março de 2020, que prevê que os consumidores ficarão isentos das penalidades contratuais, por meio da aceitação de crédito para utilização no prazo de 12 meses, contados da data do voo contratado”.
Larissa ressalta ainda que em relação aos valores cobrados por hotéis e agências de turismos, o Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que, quando a desistência ocorrer com menos de 29 dias da data de início da viagem, poderá ser cobrada uma multa máxima de 20% dos valores pagos pelo consumidor.
A situação fica um pouco complicada quando as negociações foram feitas com empresas internacionais, de voos e hotelaria, pois cada país tem sua legislação.
“Nessas hipóteses, como os fornecedores estrangeiros não estão sujeitos às nossas normas internas, o ideal é que o consumidor consiga renegociar os valores diretamente com a agência de turismo ou site de reserva que intermediou a contratação, pois, apenas essas empresas possuem a obrigação de observar a Lei brasileira. Caso isso não ocorra, o consumidor poderá ficar sem qualquer ressarcimento”, finaliza.