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Militar mascarado é bandido

O artigo de Élio Gaspari na Folha de S. Paulo, no dia 1º de março, sob o título “Moro miou”, serve de estímulo à presente análise, uma vez que como juiz era considerado o “Tigre” de Curitiba. Ele comenta a ida ao Ceará do ministro da Justiça e da Segurança Pública, no sétimo dia do motim de policiais.

Por que dessa conversão de “Tigre” em “gatinho” adestrado?

Simplesmente assim. Ele perdeu calculadamente a vitaliciedade repousante de magistrado para ingressar no terreno instável da política, certo de um cargo no Supremo Tribunal Federal. Esse cargo de ministro da Suprema Corte ficou incerto, porque a realidade circundante estabeleceu uma depen­dência patológica em relação ao presidente Jair Bolsonaro, que facilmente defenestra cargos de amigos e companheiros de farda que havia nomeado.

Ele nem tem cerimônia para exercitar sua arrogância. Antes ainda o ministro da Justiça e da Segurança Pública atual cometeu tantos abusos na condução da Lava Jato, que seria um despautério tê-lo no poder máximo da Justiça brasileira, tanto que, se pretender advogar, a Ordem dos Advogados do Brasil tem farto material para impugnar e negar seu ingresso.

Só que debaixo desse jogo de vaidades e de ambições aparece a vertente real desse governo. Esse motim de dez batalhões da Polícia Militar no Ceará, de um total de 43, não faz de cada participante, na opinião do ministro da Justiça e da Segurança Pública, um criminoso, pois “eles defendem a família brasileira”.

Se a alma, a consciência e os braços do Estado são os dos seus servidores em geral, e aqui, parti­cularmente, dos policiais militares, e se o princípio da transparência constitui uma obrigação absoluta que os envolve, o fato de ter servidores mascarados, colocando armas públicas em defesa de interesses particulares, constrói uma realidade conflituosa, que a fala do ministro sobre o motim do Ceará revela alienação de suas obrigações constitucional e legal, incompatível com a responsabilidade de seu cargo.

Afinal, o ministro sabe que greve de militar é proibida pela Constituição (CPM- art. 142, V, “Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”), e sabe, ainda, que sua violação tem tipificação de cri­me. Na verdade, esse movimento do Ceará se enquadra na figura penal do motim, que o Código Penal Militar, no artigo 149, refere-se aos militares ou assemelhados que: “IV – ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte para ação militar, ou prática de violência, em desobediência à ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar” – esses estarão sujeitos à pena de reclusão de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças.

E o ministro da Justiça não defende e não aplica a Constituição e a lei. Triste país!

Ainda cresce a sujeição do ministro da Justiça e da Segurança Pública à vertente presidencial. Seguramente, o ministro vem se aprofundando nessa linha para segurança de sua ambição, à procura de maior identificação, porque o presidente da República fez da indisciplina militar a rampa de lança­mento para a sua vida pública vitoriosa, lutando por melhores salários aos militares, como membro do Exército brasileiro. Bandeira simpática que contamina e mobiliza não apenas os respectivos familiares, e como não dizer, seus companheiros de farda?

O livro “O Cadete e o Capitão: a vida de Jair Bolsonaro no quartel”, de Luiz Maklouf Carvalho (Editora Todavia, 2019), revela que na sequência do movimento em prol de melhorias salariais, ele res­pondeu a inquérito militar porque teria planejado, com alguns colegas da área, a explosão de bombas em quartéis do Rio de Janeiro. O problema da indisciplina nasceu da publicação de artigo sob o título “O salário está baixo”, assinado por ele, na revista Veja, do dia 3 de setembro de 1986, artigo esse que “começaria a mudar a sua vida”.

O Conselho de Justificação do Exército considerou-o culpado, por três a zero, devido à “conduta irregular e prática de atos que afetam a honra pessoal, o pundonor militar”. Com isso, os autos foram remetidos ao ministro do Exército, que acatando tal conclusão, envia-os ao Superior Tribunal Militar, sendo absolvido por nove a quatro votos por seus ministros, no dia 16 de junho de 1988. Logo em seguida, pede baixa do Exército, quando eleito vereador.

Indiscutível que tal ousadia, na hierarquia da instituição militar, fez das famílias de militares a sua base eleitoral, e mais do que isso, tal ousadia serve de estímulo e de incentivo, quando o beneficiário desse destino glorioso dá a entender aos cabos, soldados e subtenentes e capitães que a conquista máxima da Presidência da República deve-se à insubordinação e indisciplina.

Essa origem política identifica o presidente com o “motim” do Ceará. Se a palavra do ministro da Justiça e da Segurança Pública foi desastrosa, pior ainda foi a do coronel Agnaldo de Oliveira, diretor da Força Nacional e conhecido como “caveira”, que ao encerrar o movimento declarou em discurso que eles, amotinados, eram gigantes, eram heróis.

Só que, diante da Constituição que juraram cumprir, inclusive quanto ao princípio de transparên­cia de todos as atos-fatos de seus servidores, que informam o Estado Democrático de Direito e para o qual o ato dos amotinados do Ceará é definido como crime, previsto no Código Penal Militar, só existe uma conclusão a ser proclamada: militar mascarado é bandido.

Afinal, máscara não compõe a indumentária militar.

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