Tribuna Ribeirão
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A filha dos deuses

Por Luiz Carlos Merten

É o quarto filme de Chiara Mastroianni com Christophe Honoré, após Não Minha Filha, Você Não Irá Dançar, Canções de Amor e Bem-Amadas. Chama-se Quarto 212. Chiara é uma personagem perfeita para uma entrevista neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Defende igualdade, paridade – inclusive salarial -, mas não é uma feminista radical, porque não acredita na exclusão. “Entendo perfeitamente a raiva das mulheres, porque às vezes também me sinto assim. Apoio o #MeToo e compreendo que nenhuma revolução, mesmo comportamental, se faz sem vítimas, mas não acredito que demonizar os homens seja a solução. É preciso trazê-los para o nosso movimento. E eu conheço homens que são mais feministas que muitas mulheres.

Existem mulheres machistas que perpetuam o modelo na criação dos filhos.”

A propósito, você talvez se surpreenda, mas Chiara critica a mãe, a mítica Catherine Deneuve, que, em janeiro de 2018, no auge das denúncias contra o produtor Harvey Weinstein nos EUA, assinou um manifesto de cem mulheres francesas publicado pelo jornal Le Monde. O documento ia contra o #MeToo, defendendo o direito de os homens “cantarem” as mulheres. “Não aprovei que ela tenha assinado aquilo. Acho que foi uma coisa sensacionalista, vulgar, uma tentativa de manipulação, desautorizando a campanha que estimula mulheres a romper o silêncio de vítimas de assédio ou abuso sexual. Sei que minha mãe não agiu de má-fé. É muito mais uma coisa geracional. Quando ela começou, no início dos (anos) 1960, esse era um comportamento normal, contra o qual as mulheres tinham de se defender. Era até considerado lisonjeiro, um cumprimento. Nenhum homem ia assediar uma mulher que não fosse considerada atraente ”

Mas isso acabou, segundo ela. “Isso se tornou intolerável. Não sou pela demonização dos homens, mas a verdade é que esse comportamento não cabe mais, mesmo num mundo em que as mulheres ainda precisam lutar por igualdade. Hoje, há muito mais consciência. O manifesto daquelas 100 mulheres alertava contra o novo puritanismo do politicamente correto. É muito mais que isso Nós, mulheres, não podemos ser constrangidas, nem humilhadas. É muito mais que sexo. Não é não. O que induz esse comportamento machista é o poder, o dinheiro. Os homens têm de ser nossos aliados. Que tipo de homem tem medo de uma mulher empoderada?”

Filha de dois grandes do cinema, a bela da tarde Catherine e Marcello Mastroianni, Chiara é a primeira a admitir que começou muito crua. Com o tempo, adquiriu maturidade como atriz. “É a única vantagem de envelhecer”, brinca. Em Paris, de volta para o Brasil, após o Festival de Berlim, o repórter reviu um Luchino Visconti do fim dos anos 1950, Noites Brancas, adaptado de Dostoievski, com o jovem Marcello Mastroianni – antes de seu estouro em A Doce Vida, de Federico Fellini.

O jovem Marcello era um assombro de beleza. “Era, tanto ele como minha mãe. Mas meu pai nunca aceitou os rótulos. Homem bonito, Don Juan. E foi por isso que fez O Belo Antônio, sobre um homem impotente, que não consegue consumar o casamento. O filme foi perseguido pela censura na Itália, sofreu cortes, foi um escândalo.” Eis agora que a filha interpreta uma versão feminina de Don Juan. “Sou mais uma versão madura da garota – a mulher – da porta ao lado. Só Christophe (Honoré) para me colocar nesse papel. O curioso é que você acaba de dizer ‘versão feminina de Don Juan’. Na sociedade machista, a personagem é tão inconcebível que nem tem equivalente. Ninguém diz Dona Juana. É a salope (cadela). O que é apreciado no homem, é pejorativo para as mulheres.”

Christophe, Cristophe! Ele não apenas colocou Chiara nesse papel como fez do marido traído ninguém menos que o ex-marido da atriz, na realidade, Benjamin Biolay. Algum problema? “Ah, non, pas de tout. Benjamin é pai de minha filha Anna e, após o divórcio, em 2005, fizemos muita coisa juntos. Além de ator, ele compõe e canta. Temos uma parceria muito firme. Fizemos shows, turnês, temos discos gravados. O que mais gosto no filme é que Christophe deu a Benjamin um raro papel de homem doce. No Brasil, isso talvez não faça diferença, mas, na França, onde ele é muito conhecido, as pessoas descobriram um outro Benjamin, e acho que isso é maravilhoso.”

Os papéis, no filme, são autobiográficos? “O que você quer saber, se eu traía Benjamin? Não, nada de autobiográfico. Nunca fui professora universitária.” E ela ri, uma risada gostosa. Na ficção, o marido descobre o adultério, a mulher e ele discutem, ela vai para o hotel em frente ao apartamento e, durante uma noite que parece sem fim, é visitada pelos fantasmas do passado, inclusive a versão jovem do marido, Vincent Lacoste. O quarto 212 – o número refere-se ao artigo do Código Civil em que os cônjuges se prometem fidelidade, “Amar e respeitar para sempre” – é menos um espaço físico que uma viagem mental da protagonista “Com certeza, e é por isso que após essa noite mágica, que é o título em inglês, sou uma mulher transformada. O filme termina em aberto, sem definir se o casal volta ou não, mas qualquer que seja a possibilidade, ambos mudaram. Meu reencontro com a versão jovem de Benjamin é decisivo, e não porque Vincent Lacoste seja bonito, mas porque traz de volta tudo o que me atraía nele, e que a gente termina por esquecer na convivência.”

Para terminar, um Dia da Mulher? “É bobagem, só serve para incentivar o consumo. Todo dia é dia da mulher, do homem e só vamos ter igualdade quando nos aceitarmos como somos. Há muita pressão sobre a mulher, mas sobre o homem, também. Independentemente de gênero, todo casal, todo par precisa se unir para carregar o fardo da existência.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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