O governo estadual de São Paulo lançou a campanha Gravidez na adolescência é para a vida toda. Organizada pelas secretarias da Justiça e Cidadania, da Educação e da Saúde, a ação consiste em disseminar conteúdos educativos sobre o tema por meio das redes sociais e um concurso de YouTubers para estudantes.
As pastas também criaram um site, para agilizar o objetivo da campanha. Por meio dele, a população poderá obter informações sobre políticas públicas e serviços disponíveis.
Para participar do concurso de YouTubers, o estudante deve ter idade entre 12 e 20 anos incompletos. Os interessados deverão enviar vídeos com duração máxima de três minutos, que tratem sobre a importância de se prevenir a gravidez na adolescência.
De acordo com o governo do estado de São Paulo, em 1998 foram registrados 148.018 mil nascimentos de bebês de mães adolescentes, com idade entre 10 e 19 anos. A quantidade caiu 54,25% em 2018, para 67.710 nascimentos. No período, houve uma queda expressiva, de 49%, no total de nascimentos de filhos de adolescentes com idade entre 10 e 14 anos.
Presente na cerimônia de lançamento da campanha, a coordenadora de Políticas para a Mulher do estado de São Paulo, Albertina Duarte Takiuti, explicou as estatísticas. Segundo ela, o governo paulista mudou a estratégia de prevenção à gravidez na adolescência, quando teve um novo entendimento, formado a partir de um estudo. O ponto de virada foi a descoberta de que os adolescentes do estado não se afetavam por meros discursos sobre a importância do uso de contraceptivos, nem por argumentos a favor da abstinência sexual (quando uma pessoa opta por deixar de ter relações sexuais).
“A pesquisa mostrou que os adolescentes tinham informação, mas não a usavam”, disse a ginecologista e obstetra, que também comanda o Programa Saúde do Adolescente, destacando que, no Brasil, a cada 21 minutos, uma adolescente com idade entre 10 a 14 anos dá à luz. Com os recuos obtidos, São Paulo tem uma média de um nascimento a cada três horas. De acordo com o Relatório Sobre a Situação da População Mundial, da Organização das Nações Unidas (ONU), a taxa no país é de 62 jovens gestantes a cada 1 mil, superior à taxa mundial, de 44 a cada 1 mil.
A coordenadora esclareceu que a mobilização dos jovens quanto à questão é responsabilidade de toda a sociedade e que somente a transmissão de informações de prevenção não dá conta do recado. O ponto-chave, defende, é orientar os adolescentes sem preconceitos nem tabu e de uma forma capaz de ajudá-los a dimensionar as consequências de uma eventual gravidez em suas vidas.
“Porque é como uma alfabetização. Você entende todas as letras, mas, para juntá-las, você tem que ter autoestima, ter apoio para entender que o que você vai fazer com aquilo, com aquela informação”, avalia. “Então, treinar a leitura, treinar tudo isso. E quem vai fazer esse treino? Todo mundo. É a escola, é a sociedade, é a própria família. Se você começar a ter pânico ou desdém, a pessoa não vai aprender. A informação, ela liberta.”
Desigualdade de gênero
Na avaliação de Albertina, a gravidez precoce sedimenta “um grande caminho da desigualdade” para as meninas. A profissional comenta que, pela sua experiência, estima que 80% garotas que engravidam ainda novas deixam a escola e que 60% acabam abandonadas, tendo que lidar com a situação sozinhas. “Se ela não volta pra escola, ela engravida de novo, porque ela se sente excluída. Qual a minha proposta? Roda de conversa, porque na roda de conversa o adolescente fala, ele diz o que [de problemas] ele tem”, pondera.
A jovem Mariana Lima foi uma das adolescentes que teve os sonhos interrompidos por causa da gravidez. Ela começou a se relacionar com o pai do primeiro filho, Bernardo, aos 13 anos. Aos 15 anos, soube que seria mãe, e, em seguida, a linhagem aumentou, com a vinda de Sara. “Quem teve que abrir mão fui eu. Estava no último ano do ensino médio e tive que abrir mão da vaga na faculdade”, relatou ela, que lamentou ter recebido mais apoio da família do ex-companheiro do que dos próprios parentes.
Machismo
A psicóloga Ricarda Maria de Jesus se dedica, há anos, a atendimentos de adolescentes grávidas e citou, no evento, um caso que, segundo ela, ilustra o resultado da falta de uma orientação adequada. Uma jovem que esteve em seu consultório completou 17 anos com quatro filhos. Ela era dependente química e mantinha um relacionamento com o pai das crianças, um homem muito mais velho, de 54 anos de idade.
Na tentativa de prevenir que a paciente engravidasse novamente, Ricarda perguntou ao casal se estavam utilizando contraceptivos corretamente. “E ele me falou, um dia: Não, a gente toma direitinho a pílula [anticoncepcional]. Ela toma um dia e eu tomo no outro”, contou, para mostrar que o casal sabia da existência do método contraceptivo para evitar a gravidez e, apesar disso, o utilizava de forma errada, já que quem deveria tomá-lo era somente a mulher, na frequência prevista na bula.
“O que eu observo é que, realmente, boa parte das famílias não conversa com os filhos, não fala sobre sexualidade, sobre prevenção. E, infelizmente, em relação à menina, temos um alto nível de abandono. A menina é muito deixada. A gente [da rede de atendimento] chama a família, pede que tenham as visitas, é muito difícil. Os pais, inicialmente, não aceitam. Depois que o bebê nasce, as coisas melhoram um pouco”, afirmou.
Em sua fala, Ricarda também explicou que a maioria das meninas demonstra que se sente pressionada a manter relações sexuais com os garotos, ou seja, a agradá-los. “A mulher ainda tem muito disso. ‘Olha, eu não queria, mas, se eu não quisesse, ele ia me deixar. A questão da submissão é ainda muito presente”, comentou. “A conversa que normalmente tenho com as meninas é de que amor não se comprova só com sexo. Tem outras coisas. Quem ama realmente vai poder esperar um pouco mais.”
Edição: Valéria Aguiar