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O hábito de treinar

O ato de ser médico é muito mais que uma profissão, é um sacerdócio e exige dedicação vitalícia. É comum escutar que um médico deve estudar para sempre, e além disso, deveria treinar a vida toda.

Nossos hábitos e repetições permitem a familiaridade em determinadas situações, gerando confiança que, por sua vez, é a força motriz para a tomada de decisões. Quanto mais expe­rientes e habituados somos, maior nossa chance de acertos e menor as taxas de incerteza.

Um piloto com muitas horas de voo certamente já viven­ciou inúmeras experiências que o qualificaram para viagens mais longas e complexas. Esta comparação, geralmente, é extrapolada para qualquer profissão, contudo existem aque­las que exigem tarefas manuais e aptidões físicas, por isso, a necessidade dos treinamentos.

Para os pilotos, há simuladores com ambientes tão reais que os possibilitam a ensaiar situações de estresse para que avaliem seus atos, reflexos, tempo de resposta e até mesmo seu condicionamento físico para enfrentar determinados momentos delicados. O treinamento médico também pode permitir uma autorreflexão sobre nosso rendimento profis­sional e nossas atitudes.

O tratamento das doenças mamárias pode ser considerado simples, pois não envolve alta complexidade tecnológica, mas por outro lado, exige vasta experiência profissional e muita sensibilidade que só são adquiridas com o tempo e a prática. Além disso, exige a leitura da complexidade feminina e mais do que decidir por qual técnica cirúrgica usar, exige uma verdadeira tradução do desejo feminino.

Durante os treinamentos cirúrgicos em oncoplastia de reconstrução e conservadora, as técnicas cirúrgicas são meros detalhes que podem ser lidos nos excelentes livros científi­cos que abordam o assunto. Durante estes treinamentos, os cirurgiões aprendem como usá-las, aplicá-las com proprieda­de e objetivo, podem se dar ao luxo de errar para aprender a corrigir, evitando a tragédia cotidiana.

Eles podem refletir sobre suas ações e modos, podem testar materiais para melhor fazer suas escolhas, mas, sobre­tudo, aprendem a escutar, sentir e compreender os desejos das pacientes que vão além de tumores, formas e volumes. Aprendem a compreender as imperfeições inerentes aos tra­tamentos e que estes detalhes farão de suas pacientes únicas e especiais.

Médicos do mundo todo estudam a vida toda, mas uma minoria busca um treinamento amiúde. Em todos os cursos pelo Brasil e exterior que ministro a colegas sobre as técnicas oncoplásticas e também de reconstrução mamária conser­vadora, sinto como é gratificante a oportunidade de treinar especialistas, pois quem ensina é quem mais aprende. Que mais treinamentos aconteçam para que estejamos prontos para viagens mais longas e, quem sabe, turbulentas, levando na bagagem a vontade para compreender as imperfeições.

Definitivamente o médico deve curar muitas vezes, aliviar sempre e treinar constantemente!

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