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A avó que se casou com o neto e outras conveniências

Calma, calma… Também não é assim. Não foi bem um casa­mento entre parentes consanguíneos, mas, como se costuma dizer, entre parentes afins. Vamos explicar esta história que se passou no alvorecer de Ribeirão Preto. Casamentos entre parentes, geralmen­te entre primos de diversos graus, ou entre tios e sobrinhas, eram muito comuns naquela época. Ou até três ou quatro irmãos de uma família se casarem com irmãos de outra família. Era uma forma bas­tante conveniente de se preservar a riqueza em comum das famílias latifundiárias. A maior parte desses casamentos era arranjada entre os pais dos noivos(as), às vezes até antes do seu nascimento.

Da mesma forma as relações de compadrio. Compadres e co­madres formavam uma verdadeira teia de compromissos uns com os outros. Os paulistas, principalmente, tinham no compadrio uma relação altamente significativa, dada a importância social do batismo para ricos e pobres. Ter um padrinho influente era uma forma de ser aceito socialmente. Dessa maneira, os favores eram mais facilmente conseguidos, numa trama variada de deveres e obrigações recípro­cas. Herança disso para os nossos dias é se garantir no cargo comis­sionado por ter um “padrinho” forte…

Mas um caso bastante curioso de casamento entre parentes aconteceu em Ribeirão Preto entre uma avó e um neto afins. Um dos poderosos da época foi o grande latifundiário José Borges da Costa, mineiro de Campanha, cuja família madrugou nessas terras desde a década de 1820. Ele se casou quatro vezes… casamentos, como tudo indica, com mulheres de famílias igualmente poderosas. Assim, José Borges foi amealhando uma fortuna incalculável durante a vida. Os testamentos que o digam! Quando, finalmente, ele faleceu em 1866, deixando viúva a quarta esposa, esta se casou rapidamente com um neto do falecido, do seu primeiro casamento.

Nosso jovem marido-neto, de apenas 22 anos, era Manoel Borges de Oliveira. A viúva casamenteira era Leonor Nogueira Terra, com seus 29 anos. No caso de parentes, a Igreja exigia as dispensas, ou seja, a suspensão do impedimento. Neste caso, o impedimento era o parentesco de afinidade de segundo grau atingente ao primeiro por ter sido a noiva casada com o falecido avô do noivo. Manoel conseguiu as dispensas com o Padre Cândido Rosa, de Franca. Mas por que em Franca? Acontecia a Guerra do Paraguai (1865-1870), Manoel fora convocado para o front e desertou. Podia ser preso por traição à pátria se ficasse dando sopa por aí. Por isso, teve de se casar às escondidas na vila Franca do Imperador.

Os interessados esclareceram ao Pe. Rosa que “desejavam se casar por amor e afeição do parentesco e por amor à família, que a noiva vivia honestamente, não fora raptada pelo noivo e vivia em casa com seus quatro filhos menores”. O padre preparou toda a pa­pelada das dispensas junto ao bispo e sua atuação foi indispensável para sair o casamento entre a avó e o neto. Mas o casamento durou pouco mais de um ano. Manoel veio a falecer em novembro de 1869, sem filhos, mas sua viúva continuou tendo filhos, sem ter um novo marido… O inventário, como sempre naqueles tempos, foi demorado e marcado por rusgas, impugnações, subtrações e ameaças…

Leonor Nogueira Terra faleceu em 1929 com 90 anos. É uma personagem que ainda precisa ser melhor estudada pelos nossos pesquisadores. No seu testamento, que está no Arquivo Histórico de Ribeirão Preto, ela declara que teve quatro filhos naturais em estado de viuvez. Neste documento aparece a qualificação de todos eles, com seus maridos e esposas. Eles se entrelaçaram com outras famílias importantes da época. Uma de suas filhas, Altina Noguei­ra, casou-se com Jeronônimo Gaya, daí surgindo a família Noguei­ra Gaya. Temos hoje a importante avenida denominada Thomas Nogueira Gaia.

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