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Evangélicos: colocando os pingos nos “is” (Parte II)

Terminamos o artigo do último sábado, falando de uma deter­minada visão racionalista que nega a importância das religiões na sociedade, ataca as crenças e condena os que acreditam nos seus dogmas. Mas a espiritualidade ou, se preferir, a religiosidade, é um atributo exclusivo do ser humano. A ciência antropológica aceita o culto ao sagrado como intrínseco à humanidade, mesmo que este transcendente seja abortado e substituído por outras formas de conhecimento, como ocorre com o ateísmo.

Ser adepto de uma religião é o mesmo que ser adepto de uma tri­bo, de um time de futebol, de um partido. As religiões, porém, estão muito mais presentes na vida da maioria das pessoas. Possuem um enorme apelo de empoderamento e segurança para aqueles que tem fé. Seguir uma religião é a maneira encontrada pelo homo religiosus para controlar o seu egoísmo. Há pessoas que fazem isso acreditando em um ser sobrenatural. Há outros que fazem exatamente a mesma coisa seguindo doutrinas seculares.

Mas queremos ressaltar neste artigo é a participação dos evangé­licos em suas comunidades religiosas, o que lhes traz uma satisfa­tória socialização nas suas redes de relacionamento criadas com seus “irmãos”. Os exemplos são inúmeros, como afirma Almeida na sua coluna da revista Veja, que citamos sábado passado. A própria violência doméstica que torna as mulheres vítimas do machismo estrutural se esbarra na participação dessas mulheres nas comunida­des religiosas que, de certa forma, as protegem.

Isso não significa a “libertação da mulher” do ponto de vista dos movimentos feministas. Pode-se acreditar até que a religião seja, neste caso, um paliativo. De qualquer forma, muitos maridos deixam de bater na mulher. No entanto, muitas igrejas evangélicas e até a católica continuam aceitando ainda hoje a opinião de São Paulo para uma das primeiras comunidades cristãs: “na igreja a mulher se cala”. Percebe-se, por aí, que as igrejas possuem um ethos próprio que satisfaz seus seguidores diante das adversidades que atingem toda a sociedade.

Pessoas religiosas, com frequência, não precisam fazer boletins de ocorrência por causa de agressões ou outras ameaças. As redes as protegem. Pequenos comerciantes se livram da falência conseguindo mais fregueses entre os irmãos. Estudantes encontram em amigos da igreja condições de se ajudarem nos estudos. Em todos esses exemplos, o membro da igreja obteve um benefício importante em sua vida simplesmente porque ampliou sua rede de relações sociais. Em um mundo em que as pessoas se isolam cada vez mais, isso tem um alto significado.

Pode ser que eles atribuam tais melhorias a Deus. De certa for­ma, não deixa de ser verdade. Foi sua crença em Deus que os colo­cou próxima de outras pessoas com a mesma crença, e isso resultou na solução de um problema ou na melhoria de sua vida. Estamos fazendo aqui uma análise sociológica e não defendendo a teologia da prosperidade. É nesse sentido que devemos considerar as religiões e suas comunidades como alguma coisa que deve ser levada em conta quando debruçamos sobre as questões sociais. Uma socialização que garante resolução de problemas, êxito e até felicidade.

Não vai aqui nenhuma desconsideração ao Estado laico, um dos pilares da sociedade democrática moderna. Aliás, uma das funções precípuas do Estado laico é garantir a liberdade de todas as cren­ças. A liberdade religiosa corre risco sem a laicidade do Estado e isso parece não ser levado em conta pelas bancadas evangélicas nos parlamentos nem pelos líderes evangélicos midiáticos aqui no Brasil. De qualquer forma, a grande maioria dos crentes está muito distante de todo este debate.

O clima de ódio alimentado pela polarização extrema acaba criando um abismo entre crentes e não crentes. É necessário refle­tirmos sobre isso. Concordo com o articulista da revista Veja que nada pior para o Brasil de hoje do que o fosso que vem separando evangélicos de não evangélicos, crentes de não crentes. Como já havia dito, é necessário e urgente deixar uma porta aberta. Pelo bem da democracia, da laicidade do Estado e da liberdade de crença.

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