Por Guilherme Sobota
Desde que a banda americana Pixies voltou ao estúdio depois de um processo sabático de mais de duas décadas – em 2013 -, o grupo encontrou dificuldades para se restabelecer e reencontrar sua própria voz. As saídas de Kim Deal, baixista icônica do grupo que ajudou a definir as bases do indie rock dos anos 1990 em diante, e depois de Kim Shattuck (sua substituta, que durou apenas um ano no Pixies) foram apenas alguns dos problemas enfrentados pela banda, que afinal deu um jeito de terminar e lançar Indie Cindy (2014) e Head Carrier (2016).
Em 2019, já com Paz Lenchantin, a baixista argentina que se juntou a Black Francis e Joey Santiago (vozes e guitarras) e David Lovering (bateria), o Pixies voltou aos estúdios para gravar e lançar Beneath the Eyrie, o projeto mais consistente desde a volta da banda ao cenário global – e, coincidência ou não, o que mais se parece com o estilo do grupo nos primórdios: guitarras espaçosas, abertas a experimentações que resvalam em diversos ritmos musicais, uma costura única nas transições entre refrões e versos e letras basicamente nonsense
“Nós não tínhamos nenhuma intenção de soar como soávamos no começo da banda”, explica um estafado Joey Santiago ao jornal O Estado de S. Paulo, cumprindo uma extensa agenda de entrevistas para jornalistas do mundo todo, ainda em 2019. Para ele, a ideia era simplesmente que o álbum não fosse “uma merda”.
“E não é, eu sei que não”, ri. “Acho que a essa altura já não estamos na condição de fazer um álbum realmente ruim”, completa, sem modéstia. “Sempre vai haver uma característica redentora.”
Santiago, hoje com 54 anos, é responsável por boa parte da experimentação que o Pixies sempre empreendeu – numa época em que a guitarra era o instrumento dominante. “Mas ainda quero explorar novos sons. Há um número infinito de sons que podem sair de uma guitarra. Há 12 notas, mas possibilidades infinitas ” Falando de um lugar suspeito, ele acredita porém que a guitarra vai permanecer no cenário da música popular simplesmente porque “é um dos instrumentos mais expressivos que existem”.
No disco novo, ele conta ter explorado novos sons, como na canção Silver Bullet, em que a qualidade gótica do disco fica bem clara. “Mas a essa altura, eu tenho um som próprio, e ele meio que é o que é. Nesse sentido, não tentamos nenhum ‘detour’ (desvio). Temos sorte de possuir um estilo para o qual sempre podemos apelar”, explica. “Sempre queremos alcançar e soar como os Pixies.”
Uma das novidades que a banda traz com o disco é um podcast: It’s A Pixies Podcast também já está disponível nas plataformas de áudio e compartilha com riqueza de detalhes o processo de gravação de Beneath the Eyrie. A série de 12 episódios, narrada e produzida pelo jornalista britânico Tony Fletcher (velho conhecido da banda), tem entrevistas, demos e outras gravações de todo o processo do disco, no estúdio Dreamland Recordings, em Woodstock, Nova York.
Para uma banda historicamente reservada sobre seu próprio trabalho, o novo disco e o podcast chegaram como uma surpresa agradável. Mas a modalidade do podcast, a documentação em tempo real do processo de uma das maiores bandas do mundo, é também, em si, uma novidade interessante.
“Tony foi uma mosca na parede”, conta Santiago. “A gente nem sabia que estava sendo gravado depois de algum tempo. Havia pequenos microfones instalados por ali. Há documentários e filmes sobre esse processo de gravação de outras bandas, até os Beatles fizeram, mas um podcast assim… acho que não existe.” Ele admite que se sente bem sobre o fato de ter aberto seu próprio trabalho para o mundo.
Sobre seu relacionamento com Francis Black – a dupla se conheceu na faculdade para logo em seguida formar o Pixies -, Santiago diz que ele está “melhor do que nunca”. Sobre Paz, ele diz que ela é um “sopro de ar fresco” na banda. “Ela é positiva, muito criativa, muito bem humorada, e todos nos sentimos muito confortáveis com ela no estúdio.”
Ainda sem previsão de voltar ao Brasil – o último show da banda por aqui foi em 2014, num histórico Lollapalooza -, o Pixies embarcou no segundo semestre numa turnê global que já tem datas marcadas até setembro de 2020.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.