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Vinicius e Di Cavalcanti

Por volta de 1960, a UNE convocou uma reunião de artistas com os estudantes em sua sede na Praia do Flamengo. Para tanto foram retiradas as cadeiras do salão nobre e instaladas barracas laterais para vendas de livros. No fundo, foi mantido o palco onde se apresentavam os artistas mais aplaudidos do momento como Carlos Lira, Nara Leão, Sérgio Ricardo, Vanja Orico, Chico Anísio e outros tantos que a memória não conseguiu guardar.

José Toledo de Oliveira e eu resolvemos participar do aconte­cimento. Éramos estudantes e o Toledo, logo depois, já bacharel, desapareceu para sempre.

No salão de festas havia mais gente do que o espaço suportava. Incessantemente os artistas ocupavam o palco e eram levados a re­petir muitas vezes suas peças. Lembro-me de estar ali ouvindo Vanja Orico cantar “Mulher Rendeira” ressuscitando a música ponto alto do mais aplaudido filme brasileiro, “O Cangaceiro”.

Foi então que o Toledo descobriu que numa barraca lateral um diplomata autografava e vendia um livro de poemas. Fomos lá. O seu livro chamava-se “Violão de Rua”. Comprei o livro e pedi que autogra­fasse para que eu pudesse presentear minha namorada. O diplomata autografou o livro assinando o seu nome: Vinicius de Moraes.

Continuamos nossa caminhada empurrando uns aos outros em busca de conviver com os intelectuais ali anonimamente espalhados.

Num determinado momento, percebi que um homem, bem baixinho, estava ao meu lado, sendo espremido por todos e por tudo. Olhei para ele e o identifiquei imediatamente, era o pintor Di Cavalcanti.

Perdi momentaneamente a timidez e o chamei pelo nome. Ele me atendeu imediatamente e me abraçou como se fôssemos velhos amigos. Imediatamente os estudantes abriram uma roda e lá no meio fiquei abraçado com o Di Cavalcanti, cuja altura não ultrapas­sava meus ombros.
A felicidade aparente do pintor era grande, já não estava mais sendo esmagado pela multidão de desconhecidos. Testemunhados por todos, começamos a conversar como velhos amigos.

Não deu outra. Virei para ele e lhe disse que acabara de comprar um livro de um tal diplomata chamado Vinicius de Moraes. Mostrei­-lhe o livro com o autógrafo do poeta.
A multidão silenciosa testemunhava o encontro. Pedi que autografasse o livro. Di Cavalcanti murmurou que não ia apenas autografar. Se o livro chama-se “Violão de Rua”, passou a desenhar um violão de rua.

Para meu espanto e para o espanto geral, ali mesmo, ao lado do autógrafo do Vinícius de Moraes, Di Cavalcanti rabiscou o desenho de um rapaz tocando um violão. E me fez de presente.

Imediatamente os estudantes avançaram, pedindo novos dese­nhos, conseguindo uma cadeira para que o grande mestre da nossa pintura pudesse viver e conviver com aquela estudantada.
E a música? Sob os aplausos gerais ou Vanja Orico cantava “Mu­lher Rendeira” ou Carlos Lira apresentava “Pobre Menina Rica”.

Realmente, a vida é a arte do encontro, ou então, a vida não é ape­nas para ser vivida, mas, sim, para abrir as portas para a convivência, ainda que essas portas sejam frequentemente trancadas impedindo que o brilho de uma geração seja impedido de iluminar os passos tanto daqueles que encerram a sua caminhada, como daqueles outros que somente agora estão inaugurando seus primeiros passos.

Guardo alguns discos com as músicas daquela época, mas não consigo mais encontrar o livro de poemas autografado pelo diplo­mata Vinicius de Moraes e desenhado por ninguém menos do que Di Cavalcanti. Os tempos servem também para cobrir com sombra muita lembrança.

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