“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Assim disse Joaquim Nabuco (“O Abolicionismo”, Joaquim Nabuco, BestBolso, 2010, Rio de Janeiro), o principal abolicionista brasileiro. A realidade dos tempos hodiernos demonstra que a frase de Joaquim Nabuco foi uma profecia, que, lamentavelmente, se realizou.
A escravidão das pessoas negras no Brasil acabou formalmente em 1888. O Brasil foi um dos países que mais demoraram para aboli-la. Todavia, apesar da abolição formal da escravidão, feita através da Lei Áurea, ainda hoje temos denúncias de trabalho escravo. Em razão disso, inclusive, é que houve a Emenda Constitucional nº 81 de 2.014, estabelecendo a expropriação de terras onde houver trabalho escravo. Isso em 2014, cento e trinta e um anos após a abolição da escravidão ainda estamos usando de instrumentos para combatê-la.
Neste pântano de águas contaminadas restou ainda ao Brasil raízes profundas e podres de uma erva daninha que insiste em existir; o racismo, da qual decorre a idéia escravocrata. Há quem o negue, e dentre eles até mesmo pessoas negras como o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo que foi nomeado pelo Governo Bolsonaro presidente da Fundação Palmares, e poucos dias depois a nomeação foi cancelada judicialmente, por entender o magistrado que havia excesso nas declarações de Sérgio sobre a inexistência de racismo no Brasil. Na decisão o magistrado escreveu: “Não serão aqui repetidos alguns dos termos expostos nas declarações em frontal ataque às minorias cuja defesa, diga-se, é razão de existir da Instituição que por ele é presidida”.
Há os que não falam do assunto, mas seus atos falam, como Silvio Santos. Em seu programa no último domingo, numa competição de candidatas cantoras, o público, por maioria exorbitante, escolheu uma negra, Jennyfer Oliver, que recebeu 84 votos, e as demais 03 candidatas brancas, não receberam nem 10 votos cada uma. Ignorando a escolha do público e quebrando as regras do jogo, Silvio Santos escolheu uma candidata branca como a ganhadora e disse: “Se eu estivesse em casa, vendo o programa, na minha opinião, a melhor intérprete na televisão seria Juliani. Você é muito bonita, canta bem. Você ganhou”.
Entre opiniões e discursos estão os fatos. E os fatos nos mostram que embora pessoas negras sejam a maioria da população brasileira, correspondendo a 55,8% da população, elas são sempre a minoria nos espaços de poder e ascensão. Desde o ensino fundamental e médio, quantas eram as pessoas negras dentre alunas e alunos, professoras e professores? E na universidade? No posto de saúde ou convênio médico, dentre médicas e médicos, no fórum, dentre juízes e juízas? Quantas vezes tivemos uma pessoa negra presidente do Brasil? E governador ou governadora? A maioria das pessoas que apresentam jornais são pessoas negras ou brancas? E nas propagandas da televisão, nas novelas, nos filmes, nos desenhos? E neste último caso quando pessoas negras aparecem, com raras exceções, elas são colocadas em papéis subalternos ou de personagens maus.
Por outro lado, quando se trata de trabalhos considerados inferiores pela sociedade e pelo mercado, e que são bem menos remunerados, a situação muda, e pessoas negras são a maioria, como ocorre com as domésticas, os motoristas de ônibus, as pessoas que fazem a limpeza, os coletores de lixo, os atendentes de açougue do supermercado, o frentista, o entregador, o segurança, as pessoas que estão no semáforo pedindo dinheiro, as pessoas contratadas pela prefeitura para varrerem as ruas, os pedreiros da construção civil, a babá, o garçom e a garçonete.
Se as pessoas negras são a maioria da população por que as pessoas brancas é que mais aparecem nos espaços de poder e ascensão e as pessoas negras são exceção? Poderia alguém responder que seria em razão de mais instrução, já que pessoas negras foram minoria já no ensino fundamental e médio. Porém, segundo o IBGE, em levantamento de 2.018, nem mesmo quando o nível de instrução é igual entre pretos, pardos e brancos a disparidade desaparece. Os brancos com nível superior completo ganham, por hora, 45% a mais do que os pretos ou pardos com a mesma escolaridade.
Essa diferença tem outra justificativa senão a discriminação pela cor da pele, também chamada de racismo?