A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tornou sem efeito a prisão preventiva determinada contra a ex-prefeita Dárcy Vera (sem partido). Ela deve deixar a Penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier de Tremembé (SP) nesta sexta-feira, 6 de dezembro, segundo a advogada Mária Cláudia Seixas, que irá até o Vale do Paraíba buscar sua cliente, presa há mais de dois anos e meio, desde 19 de maio de 2017. A defesa não informou se a ex-chefe do Executivo terá de voltar para Ribeirão Preto.
O relator do habeas corpus na Sexta Turma, ministro Rogerio Schietti Cruz, também não informa quais as medidas a ex-prefeita deverá respeitar. O magistrado não cita o uso de tornozeleira eletrônica nem restrição de horários para Dárcy Vera sair de casa. O colegiado acompanhou Cruz, que considerou desproporcional a manutenção da custódia, visto que já foi desmantelada a organização criminosa por ela integrada. Além disso, Dárcy teve as contas bancárias de sua titularidade bloqueadas e não exerce mais o cargo de prefeita. Sobre a coação de testemunhas, o ministro cita que os réus já forma condenados e o processo já passou a fase de depoimentos.
Em setembro do ano passado, Dárcy Vera foi condenada a 18 anos, nove meses e dez dias de reclusão, em regime inicial fechado, acusada de comandar um esquema criminoso que teria desviado cerca de R$ 205 milhões dos cofres do município, R$ 45 milhões no caso dos honorários advocatícios – ela é ré nesta ação e em outra que investiga lavagem de dinheiro. O caso foi investigado na Operação Sevandija e a sentença foi emitida pelo juiz Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira, da 4ª Vara Criminal.
O habeas corpus de Rogerio Schietti Cruz também beneficia outros condenados. Os ex-advogados do Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto (SSM/RP), Maria Zuely Alves Librandi – já cumpre prisão domiciliar por causa de problemas de saúde – e Sandro Rovani Silveira Neto e o ex-secretário municipal da Administração, Marco Antônio dos Santos, que continuará preso porque já foi sentenciado em outra ação por lavagem de dinheiro.
Santos também foi condenado na ação dos honorários a 18 anos, nove meses e dez dias de prisão. Maria Zuely e Rovani pegaram 14 anos e oito meses de reclusão cada. Há ainda outros dois réus, o advogado André Soares Hentz que ganhou o direito de recorrer em liberdade – foi sentenciado a pena igual a de maria Zueli e Rovani – e o ex-presidente do SSM/RP, Wagner de Souza Rodrigues, que fechou acordo de delação premiada com o Grupo de Atuação Especial do Crime Organizado (Gaeco), mas teria omitido patrimônio e acabou sendo preso. Foi condenado a pena de onze anos em regime domiciliar.
Todos foram condenados pelos crimes de associação criminosa e peculato. Afora Rodrigues, os demais réus negam a prática de atos ilícitos e dizem que vão provar inocência. Dárcy Vera também foi condenada pelo juiz Eduardo José da Fonseca Costa, da 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto, a cinco anos de prisão em regime semiaberto por desvio de recursos públicos em proveito próprio ou de terceiros e por dispensa indevida de licitação em uma ação sobre uma das etapas da Stock Car realizada na cidade.
Em sua delação, Rodrigues disse que além dos R$ 7 milhões supostamente pagos à ex-prefeita Dárcy Vera (sem partido), Maria Zueli teria repassado R$ 11 milhões ao sindicato (por meio de Rovani, que dividiria o montante com o delator), mais R$ 11 milhões iriam para o advogado André Soares Hentz e R$ 2 milhões para o ex-secretário da Administração, Marco Antonio dos Santos (preso em Tremembé). O ex-sindicalista admite ter recebido R$ 1,2 milhão.
Ao conceder o habeas corpus a Dárcy Vera, a Sexta Turma do STJ diz que “não há elementos idôneos que justifiquem a manutenção da medida cautelar”. Antes de assumir o executivo municipal, foi vereadora por quatro mandatos. Também elegeu-se uma vez deputada estadual. Com a decisão da Sexta Turma, a ex-prefeita poderá ficar em liberdade enquanto recorre da condenação. Os ministros ressalvaram a possibilidade de nova decretação da prisão provisória caso efetivamente demonstrada a superveniência de fatos novos que indiquem a sua necessidade, sem prejuízo da fixação de medida cautelar alternativa.
Quando sentenciou a ex-prefeita, o juiz da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto manteve a prisão preventiva a que ela já estava submetida, sob o entendimento de que haveria risco de fuga e de frustração da aplicação da lei penal. O magistrado considerou que o bloqueio de bens da acusada não seria suficiente para recompor o patrimônio público, havendo a expectativa de localização de outros ainda desconhecidos – o que poderia ser prejudicado com a ex-prefeita em liberdade.
Em habeas corpus requerido ao STJ, a defesa argumentou, entre outros pontos, que não haveria motivação idônea para manter a prisão preventiva, uma vez que os fundamentos utilizados na sentença seriam “genéricos”. Em nota enviada ao Tribuna por meio de sua assessoria, a advogada Maria Cláudia Sexias informa que “obteve a concessão de habeas corpus da ex-prefeita de Ribeirão Preto, Darcy Vera, no Superior Tribunal de Justiça, para que ela possa responder em liberdade a fase recursal. A decisão do ministro Schietti, seguido por todos os demais ministros da Sexta Turma, é irretocável e reflete os ditames legais e constitucionais.”
Gaeco alerta para risco de ‘manobras’
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) emitiu nota à imprensa na tarde desta quinta-feira, 5 de dezembro. Leia na íntegra. “A força-tarefa da Operação Sevandija foi capaz de desvendar e desarticular, pelo menos, quatro escandalosos esquemas criminosos dentro da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, marcados por indicação de terceirizados em troca de apoio político, fraudes licitatórias no departamento de águas e na aquisição de catracas para escolas e o conluio para prática de peculato e corrupção com advogados e a entidade sindical, a revelar que a corrupção se tornou um método de governança na gestão da prefeita Dárcy Vera.
Durante a malfada gestão de Dárcy Vera, e com a participação direta do Poder Executivo local, cifras milionárias foram tragadas dos cofres públicos e colocadas na conta do povo para saciar o apetite de sevandijas, que, por anos, desfrutaram incólumes na bonança, enquanto a cidade definhava abandonada à própria sorte. Não estamos tratando de um ato isolado de corrupção e lavagem de dinheiro, mas de uma prática contínua e prolongada, cujos efeitos se estendem até o presente momento, envolvendo valores milionários de propina em cheques e em dinheiro, que, hoje, estão personificados em ativos, muitos deles ocultos e com livre disposição.
Apesar de os fatos principais terem sido descobertos e estarem judicialmente apresentados desde setembro de 2016, a ex-prefeita de Ribeirão Preto não fez, em qualquer momento, nenhum gesto ou esforço de esclarecimento dos fatos ou indicação de recuperação do patrimônio amealhado ilicitamente. Enquanto não houver a identificação e o bloqueio dos ativos, haverá risco de dissipação irreversível, o que inviabilizará sua recuperação. Enquanto não afastado o risco de dissipação do produto/proveito do crime, presente igualmente um risco maior de fuga, uma vez que a ex-prefeita condenada poderá se valer de recursos não bloqueados para custear a permanência e o anonimato em locais afastados.
Fato é, portanto, que a liberdade de Dárcy Vera evidentemente apenas lhe incentivará a adotar ainda outras manobras espúrias capazes de solapar e confundir a investigação em curso, bem como a garantir que se mantenham milhões de reais ilícitos e ativos na clandestinidade. Ainda assim, embora o passivo não esteja totalmente recomposto, e a despeito da inusitada decisão da Corte Superior, os bloqueios realizados ao longo das investigações atingem mais de duzentos milhões de reais, centenas de imóveis e veículos. Espera-se, pois, que assim permaneçam, para, ao menos, viabilizar adequadamente o ressarcimento do dinheiro do povo e evitar o enriquecimento dos acusados.
O Ministério Público trabalha para que os saqueadores dos cofres públicos sejam efetivamente punidos, na proporção de todas as mazelas que a falta dos recursos causa – até hoje – para a população ribeirão-pretana, e que esses valores sejam de fato repatriados para o município.”
Ministro do STJ cita reavaliação
O relator do habeas corpus da ex-prefeira Dárcy Vera (sem partido) na Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Rogerio Schietti Cruz, explicou que a prisão preventiva possui “natureza excepcional, sempre sujeita a reavaliação, sendo que a decisão judicial que a impõe ou a mantém deve ser suficientemente motivada, com indicação concreta das razões fáticas e jurídicas que a justifiquem, nos termos dos artigos 312, 313 e 282, I e II, do Código de Processo Penal”. Segundo o magistrado, no momento da sentença “deve haver a reavaliação fundamentada da prisão preventiva do réu, com indicação de sua efetiva necessidade, se for o caso, pois perdura a presunção de não culpabilidade”.
“A ausência de deliberação sobre a prisão preventiva, ou a realização de tal análise de modo superficial e sem a apresentação de motivos idôneos, no único momento em que a legislação assim determinou, por ocasião da sentença condenatória ou da decisão de pronúncia, configura ilegalidade que não pode ser tolerada, porquanto priva o sujeito passivo da medida cautelar do direito a ter, em momento crucial da persecução penal, a reavaliação judicial da persistência ou não dos motivos que, até então, o mantiveram sob segregação provisória”, destacou o ministro.
Falta de elementos
Para Schietti, no caso da ex-prefeita, os motivos invocados pelo juízo para embasar a continuidade da prisão preventiva após a sentença não se mostram suficientes, “pois ele se limitou a justificar a medida na presunção de fuga da acusada, caso fosse colocada em liberdade, e na utilização do cárcere como meio para obter a reparação do prejuízo causado aos cofres públicos”. No entanto, segundo o ministro, “a sentença não apontou nenhum elemento concreto que indicasse o risco de fuga”.
Além disso, ressaltou, já foi executado o bloqueio das contas bancárias da ex-prefeita, “não havendo dados que demonstrem a existência de outros bens em seu nome”. Mesmo reconhecendo que Dárcy Vera foi condenada a pena elevada, Schietti considerou “desproporcional” a manutenção da prisão preventiva, “pois a organização criminosa já foi desmantelada, as contas de sua titularidade estão bloqueadas e ela não exerce mais o cargo de prefeita”.
STF
O relator observou também que não há previsão para a análise dos recursos defensivos e para o trânsito em julgado de eventual condenação – o que reforça a ilegalidade da prisão, uma vez que recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ser constitucional a regra do Código de Processo Penal que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso para o início do cumprimento da pena.
O que dizem os demais citados
Marco Antônio dos Santos: segundo a defesa, a justiça está sendo feita e o STJ teve o posicionamento correto. O advogado Flaviano Adolfo de Oliveira Santos disse que o ex-secretário ainda não deve ser solto porque tem prisão preventiva decretada em um processo por lavagem de dinheiro. Oliveira informou que já entrou com pedido de revogação.
Sandro Rovani: o advogado Heráclito Mossin disse que acredita na libertação do cliente, embora ele tenha sido condenado em um processo referente ao caso Atmosphera, também alvo da Operação Sevandija.
Maria Zuely Alves Librandi: o advogado Leandro Librandi lembrou que a mãe está em prisão domiciliar para tratar um câncer. Ele acredita que a decisão possa implicar revisões na condenação. “A gente vê com muito bons olhos essa decisão, e, ao nosso ver, não é único ponto falho na sentença que merece revisão mais apurada em instância superior”.