Por José Bonato – Especial para o Tribuna
Todos os dias Marcela Gonçalves, que trabalha como vendedora numa loja de móveis para escritório na rua São Sebastião, na região central de Ribeirão Preto, deixa o trabalho estressada em razão do ronco ensurdecedor das motocicletas que passam permanentemente em frente ao estabelecimento, que funciona das 8h às 18h de segunda a sexta e até as 12h aos sábados.
“Eu tenho vontade de bater com a cabeça na parede de tão irritada que fico. É insuportável. E ninguém faz nada contra esses motociclistas. Às vezes vejo a PM nas proximidades, mas apenas observando o tráfego”, diz.
A exemplo de Marcela, o agropecuarista Geraldo Consonni, que mora na rua Rui Barbosa, também reclama do barulho das motos, cuja causa é a alteração que os condutores fazem no escapamento. “É o tempo todo essa perturbação, tira a atenção e prejudica o sono. Precisam tomar uma medida contra isso. Sem contar as buzinas”, afirma.
Embora não fiscalizada pelas autoridades competentes, a legislação está ao lado de Marcela e Consonni.
Em seu artigo 230, o Código de Trânsito Brasileiro considera as modificações em silenciador de escapamentos infração gravíssima, prevê multa de R$ 195,23 e o recolhimento do veículo, com perda de cinco pontos na carteira.
Muitas cidades no país estão tomando medidas contra as motocicletas barulhentas. Em Vilhena, por exemplo, no estado de Rondônia, as reclamações contra o barulho uniram a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a Polícia Ambiental, o Ministério Público, a Polícia Militar, a Polícia Rodoviária Federal e a Ciretran, que decidiram enquadrar o problema como crime ambiental e aplicar multa de R$ 5 mil contra os infratores.
Em Ribeirão Preto, a Polícia Militar, questionada a respeito do ruído, respondeu que aplicou 31,5 mil multas de trânsito entre janeiro e setembro deste ano, mas não especificou qual parcela delas é referente às descargas livres, como é caracterizada a infração de escapamentos fora do padrão de fábrica.
A Prefeitura, a quem também compete enfrentar o problema, informou por meio de nota que a Transerp aplicou 313 multas nos primeiros nove meses do ano contra “som audível pelo lado externo” de veículos, mas que a autarquia de trânsito não tem competência legal para autuar motos barulhentas.
Silvio Trajano Contart, arquiteto e presidente do Comur – Conselho Municipal de Urbanismo – afirma que a poluição sonora provocada pelo trânsito nunca foi objeto de discussão no órgão, mas sim os de outra categoria.
Saúde
Ele afirma que o Código de Posturas a ser aprovado pela Câmara contempla punição a ruídos provocados por indústrias, bares, restaurantes, shows e boates, mas nada sobre os emitidos por veículos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os ruídos provocam deficiência auditiva, distúrbio de sono, problemas cardiovasculares e psicológicos, neste caso como mau humor e depressão.
A poluição pelo ronco de motocicletas aumentou na região central de Ribeirão, segundo moradores ouvidos pelo Tribuna, devido ao crescimento de entrega de comida via aplicativos.
“De uns dois anos para cá pirou muito a situação. Temos de fechar as janelas e passar calor por causa disso. Essas empresas de aplicativos deveriam exigir que esses motociclistas estejam com os veículos em ordem para trabalhar, em respeito aos consumidores”, diz Consonni.
BARULHO TOLERÁVEL
Limites padrão por tipo de área, em decibéis
Sítios e fazendas……………………………. Diurno 40…………..Noturno 35
Residencial (hospitais e escolas)………Diurno 50…………..Noturno 45
Mista (predom. Residencial)……………..Diurno 55…………..Noturno 50
Mista (predom. Comercial)……………….Diurno 60…………..Noturno 55
Industrial………………………………………. Diurno 70…………..Noturno 60
Fonte: ABNT
Comerciantes também reclamam do problema
Eduardo Molina, gestor de inteligência competitiva e relações institucionais da ACIRP – Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto – afirma que a entidade recebe reclamações de comerciantes sobre o excesso de barulho no Centro.
Para Molina, é a Polícia Militar e a Transerp, autarquia de trânsito da prefeitura, que deveriam agir contra a poluição sonora.
Tribuna – A poluição sonora no Centro preocupa a ACIRP? Como e que tipo de ação ela desenvolve ou defende para resolver essa questão?
Eduardo Molina – A ACIRP recebe muitas reclamações de comerciantes sobre o excesso de barulho no centro. A questão central é quando o barulho excede o previsto nas leis e normas que regulamentam o nível de conforto acústico. O excesso é proibido e pode ser objeto de fiscalização e multa por parte da fiscalização geral da prefeitura e também dos órgãos de fiscalização do trabalho. Nossa orientação, para quem é vítima desse tipo de infração, é recorrer aos órgãos competentes, pois são eles que têm poder de polícia para coibir e punir.
Lojas na região central utilizam sistemas de som para chamar a atenção de clientes. Carros de som circulam fazendo propagandas. Há alguma orientação para associados evitar esse procedimento?
Eduardo Molina – Orientamos os associados que procurem cumprir as leis relativas ao tema, pois isso é uma questão de cidadania empresarial. Nenhuma empresa tem o direito de atuar fora dos limites legais causando prejuízos a terceiros. A principal questão é que a fiscalização não tem conseguido agir a contento, coibindo e punindo. Acreditamos que muitos empresários não têm percepção exata do nível de ruído que produzem, por isso, orientamos que quem tem som em seu estabelecimento tenha decibelímetro próprio, para se autorregular e também para contraprova em caso de autuação.
Há alguma preocupação com o bem-estar das pessoas que compram ou vivem no Centro no sentido de evitar esse desconforto sonoro?
Eduardo Molina – Com certeza, o conforto é uma questão importante na hora da decisão de compra. Acreditamos que quem se utiliza do som alto pode se beneficiar em um primeiro momento, mas a longo prazo está afastando os clientes e prejudicando outros comerciantes. Ter ruas bonitas e organizadas melhoram a experiência do consumidor. Esse, inclusive, é um dos motivos pelos quais a ACIRP atuou contra a invasão ilegal do centro pelo comércio ambulante, que também utiliza muito de som e gritos para apregoar seus produtos. Sendo também motivo pelo qual apresentamos à prefeitura e ao Condephaat um projeto para melhora do mobiliário do calçadão.
A poluição sonora prejudica a proposta de revitalização da área central da cidade?
Eduardo Molina – Com certeza prejudica. A cidade precisa e merece um centro bem cuidado, limpo e organizado, que seja prazeroso para o passeio e as compras. Inclusive a ACIRP apoia o artigo do novo Código de Posturas proposto pela Prefeitura, que prevê penalidades para quem exceder o limite de ruído previsto nas normas. Apenas pedimos, pois acreditamos que muitos empresários não conhecem direito essas normas, que primeiro seja feita uma advertência e só em caso de reincidência haja multa.
Professora da UFSCar indica causas e ações contra ruídos
Thais Guerreiro, professora do Departamento de Engenharia Civil da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), afirma que a poluição sonora é uma das inúmeras consequências da expansão urbana associada a uma mudança de padrões de consumo e de deslocamentos e da falta de fiscalização.
Morando em locais distantes e sem oferta de trabalho e transporte de qualidade, os munícipes, segundo Thais, acabam adquirindo veículos próprios, avolumando ainda mais a frota de carros e motos.
“Além disso, nos últimos anos grande parcela da população tem adquirido smartphones com acesso à internet e isto, associado à facilidade de fazer compras com rapidez, aumenta as entregas de refeições rápidas via aplicativo. Este quadro causa um aumento do número de viagens decorrentes dessas entregas”, afirma.
Para a professora da UFSCar, uma ação conjunta de vários setores responsáveis pela gestão pública pode, se implementada, minimizar o problema da poluição sonora.
Iniciativas propostas pela pesquisadora
– do ponto de vista do planejamento urbano: diversificando os usos do solo, os quais possibilitarão que os moradores das áreas mais distantes do centro realizem suas atividades dentro do seu próprio bairro;
– do ponto de vista do sistema de transportes: investimento em transporte público e em outros modos de transportes que causem menos ruído (transporte a pé e de bicicleta);
– do ponto de vista de obras públicas: melhoria da infraestrutura urbana voltada à implantação de corredores de ônibus, melhoria das condições das calçadas e construção de um sistema cicloviário;
– do ponto de vista da fiscalização: capacitar servidores públicos para efetiva fiscalização do que determina a le gislação vigente.