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A caverna

Os antigos navegantes supunham que o globo terrestre fosse plano e que o Sol girava em torno da Terra e não o contrário disso. Os portugueses, até então acreditavam que a África era pequena e terminava ao sul do Marrocos. Ali está o Cabo do Bojador, cercado de intensa neblina, resultado do choque entre as águas do mar com a costa africana.

Acreditavam que o Bojador era o fim da terra plana. Supu­nham que ali a água do mar despencava no inferno e com o calor, era transformada na neblina. Assim, quem se atrevia a atravessar o Bojador caía no inferno, passando a viver com o capeta. Os navegantes acreditavam nesta ideia até pouco antes do Brasil ser descoberto, ou seja, até 1434.

Naquela data o navio comandado por Gil Eanes foi empur­rado para o meio da neblina, para horror dos navegantes. Para espanto de todos, não caíram no inferno porque depois do Bojador a Terra continuava sendo Terra. O inferno não estava ali. Venceram a superstição. O Fernando Pessoa eternizou o fato num verso famoso: quem quiser ir além da dor tem que ir além do Bojador: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

Mas os portugueses descobriram o mundo para o mundo, sem­pre com a gramática nas mãos. O latim era a língua mais influente e, segundo ela, o verbo nascer era “oriri”, razão pela qual o lado do mundo onde acreditavam que surgia o Sol passou a chamar-se “oriental”. Até hoje quem nasce no leste do mundo é oriental.

Assim o Sol morria do outro lado do mundo, ou seja, no “ocidente”. A palavra deriva do verbo “occidere” que significa “morrer”. Até hoje matar um homem é “homicídio”, vocábulo gerado por “homo occidere”. Matar a mulher é um uxoricídio, expressão nascida de “uxor occidere”.

Como os navegantes viajavam antes de compreender os movimentos da Terra, acreditavam que o Sol nascia no leste e morria no oeste, o leste passou a ser sinônimo de “oriental” e o oeste foi batizado como “ocidental”.

Essas cambalhotas vocabulares eram e são até hoje habituais. Quando Colombo descobriu, em 1492, a América, supôs que estava vendo a Índia, razão pela qual os habitantes da nova terra até hoje são conhecidos como “índios”.

Os homens acreditam piamente no que avistam, muitas vezes sem entender a essência de suas visões. Platão escreveu sobre o tema, sob o título “Mito da Caverna”.

Dizia ele que um povo vivia no interior de uma caverna que mantinha um paredão no fundo, onde eram projetadas as som­bras do mundo exterior. Pois bem, para os cavernosos o mundo exterior era composto por sombras. Para vencer a irrealidade, seria necessário sair da caverna e descobrir o brilho do sol. Era difícil sair da caverna e abandonar nossas sombras, em busca da luz solar! Entre outras cavernas encontram-se as atuais!

O jornalista Eugênio Bucci narrou que surpreendeu uma pessoa conversando com a imagem da TV, confidenciando-lhe que não deveria crer naquele que matara a Odete Reutman numa outra novela! Para ela, o assassino sobrevivia até mesmo depois de apertar o botão para desligar a TV que, com certeza, perma­neceria eterno na sua memória.

É realmente muito difícil e muitas vezes impossível distin­guir onde finda o abismo da ilusão e o início da realidade. Hoje, muito mais do que no passado, o homem permanece olhando para o fundo de muitas cavernas, não conseguindo distinguir as sombras das paredes com o mundo iluminado pela luz do Sol.

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