O juiz da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto e responsável pelas ações penais da Operação Sevandija, Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira, acatou denúncia de lavagem de dinheiro feita pelos promotores do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) contra a ex-prefeita Dárcy Vera (sem partido) e seu ex-marido, Mandrison Félix de Almeida Cerqueira, além do ex-secretário municipal da Administração, Marco Antônio dos Santos.
Eles são acusados de usar R$ 1,6 milhão dos R$ 45 milhões supostamente desviados da prefeitura na ação dos honorários advocatícios. O montante seria parte da propina de R$ 7 milhões que Dárcy Vera teria recebido, segundo acusação feita pelo ex-presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto (SSM/RP), Wagner de Souza Rodrigues, no acordo de delação premiada que fechou com o Gaeco.
De acordo com o braço do Ministério Público Estadual (MPE), os três denunciados realizaram movimentações financeiras que somam R$ 1,6 milhão para esconder a origem ilícita de parte dos R$ 45 milhões desviados dos cofres públicos na chamada “fraude dos honorários”. A denúncia é assinada pelos promotores Leonardo Romanelli e Walter Manoel Alcausa Lopes.
Segundo o relatório do Gaeco, o casal investiu R$ 533.758,34 utilizados na reforma da casa da ex-prefeita, na Ribeirânia, bairro nobre na Zona Leste de Ribeirão Preto. Também encontraram cheques de R$ 140 mil usados no pagamento de um advogado particular de Dárcy Vera, intermediado por Marco Antônio dos Santos, além de créditos fracionados acima de R$ 1 milhão que movimentaram cinco contas bancárias da ex-prefeita e sete contas do ex-marido dela no mesmo período em que as fraudes foram apuradas pela força-tarefa formada também pela Polícia Federal.
Ao aceitar a denúncia dos promotores, o juiz Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira determinou o bloqueio da casa da ex-prefeita, além de imóveis, veículos e ações de Mandrison Felix de Almeida. Como medidas cautelares, o magistrado também determinou que o ex-marido de Dárcy Vera entregue seu passaporte dentro de 24 horas, fique proibido de deixar a cidade e compareça à Justiça de Ribeirão Preto quando chamado.
A defesa da ex-prefeita informou que ainda não teve acesso à denúncia e não quis comentar o caso. O Tribuna não conseguiu localizar as defesas de Mandrison de Almeida e de Marco Antônio dos Santos, mas eles e Dárcy Vera sempre negaram a prática de atos ilícitos e dizem que vão provar inocência.
O Gaeco analisou as movimentações financeiras da ex-prefeita no mesmo período em que as fraudes foram apontadas pela Operação Sevandija e identificou manobras que, de acordo com os promotores, foram adotadas para despistar órgãos de inteligência financeira como o então denominado Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Segundo a denúncia, entre 2014 e 2016, ainda no Palácio Rio Branco, Dárcy Vera gastou R$ 533.758,34 na reforma estrutural e estética de sua casa de 535 metros quadrados no bairro Ribeirânia.
Os promotores apontam que todos os serviços e materiais para refazer fachada e suíte, além da construção de uma nova área de lazer, com nova cozinha e piscina, substituição de pisos e instalação de armários embutidos, foram pagos exclusivamente em dinheiro, em quantias fracionadas, sem registro fiscal e contábil, e algumas vezes na sede do então PSD, com o objetivo de ocultar a fonte dos recursos, a propina paga na fraude dos honorários.
O pagamento em espécie, de acordo com o Gaeco, era também a modalidade preferencial de propina repassada a Dárcy Vera entre os envolvidos na fraude dos honorários. Em outra frente de lavagem de dinheiro, o MPE também denuncia o pagamento de R$ 140 mil em honorários devidos a um advogado particular que atuou em pelo menos 75 ações da ex-prefeita. Os pagamentos teriam sido feitos nos dias 22 de novembro de 2013 e 10 de janeiro de 2014 por três cheques entregues pelo ex-secretário Marco Antônio dos Santos, mas em nome do escritório de advocacia de Maria Zuely Alves Librandi, ex-advogada do SSM/RP.
O Gaeco também identificou ainda mais de R$ 1 milhão em depósitos fracionados e transferências que serviram para despistar as autoridades sobre a origem ilícita do dinheiro. Desse montante, R$ 190.336,88 foram de 110 depósitos feitos entre março de 2013 a agosto de 2016 em cinco contas bancárias diferentes da ex-prefeita, em uma técnica chamada pelos investigadores de smurfing ou estruturação, e que evitavam que valores iguais ou superiores a R$ 50 mil fossem identificados e despertassem suspeitas do Coaf.
Utilizando a mesma estratégia, de acordo com o MP, outros R$ 810.865,49 em 210 depósitos movimentaram sete contas bancárias de Mandrison de Almeida entre janeiro de 2013 e 2016. “As datas dos depósitos remetem ao período em que a então esposa de Mandrison Cerqueira, como prefeita municipal de Ribeirão Preto/SP, protagonizava e comandava os maiores esquemas de desvios e corrupção da história política da cidade”, afirma o Gaeco.
Sevandija: a ação dos honorários advocatícios
A ex-prefeita Dárcy Vera (sem partido) é acusada de ser a chefe do suposto esquema que teria desviado R$ 245 milhões dos cofres públicos municipais em três frentes de investiação. A fraude dos honorários advocatícios envolve uma ação de reposição de perdas inflacionárias dos servidores municipais. Seis pessoas já foram condenadas nesta ação, inclusive a ex-chefe do Executivo e o ex-secretário municipal da Administração, Marco Antônio dos Santos – ambos receberam pena de 18 anos, nove meses, dez dias de prisão e 88 dias-multa. O Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Orgnaizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual (MPE) diz que do total desviado dois cofres públicos, cerca de R$ 45,5 milhões são da ação dos honorários advocatícios. Segundo as denúncias, a prática criminosa ocorreu a partir do pagamento indevido de custas advocatícias à ex-advogada do Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto (SSM/ RP), Maria Zuely Alves Librandi, no “acordo dos 28%”, ação movida pelos funcionários públicos em 1997 para reivindicar perdas salariais do Plano Collor. Além de Dárcy Vera e Marco Antônio dos Santos, Wagner de Souza Rodrigues, ex-presidente do SSM/RP, que fechou acordo de delação premiada, mas está preso acusado de ter omitido patrimônio, também foi condenado a pena de onze anos em regime domiciliar pelos crimes de associação criminosa e peculato. Maria Zuely e Sandro Rovani, ex-advogados do sindicato, e André Soares Hentz, que trabalhava para ambos, pegaram 14 anos e oito meses de reclusão cada – ela cumpre prisão domiciliar por causa de problemas de saúde. Em sua delação, Rodrigues disse que além dos R$ 7 milhões supostamente pagos à ex-prefeita Dárcy Vera – presa desde maio de 2017 –, Maria Zuely teria repassado R$ 11 milhões ao sindicato (por meio de Rovani, que dividiria o montante com o delator), mais R$ 11 milhões iriam para o advogado André Soares Hentz e R$ 2 milhões para o ex-secretário da Administração, Marco Antônio dos Santos (ele e Rovani estão presos em Tremembé). O ex-sindicalista admite ter recebido R$ 1,2 milhão. Todos foram condenados por organização criminosa e peculato, mas o MPE recorreu para que os réus tenham as penas ampliadas pelo crime de corrupção ativa e passiva. Todos negam a prática de crimes e dizem que vão provar inocência. Três anos após a primeira fase da Sevandija, deflagrada em 1º de setembro de 2016, o Gaeco informou que um total de R$ 192 milhões em bens foram bloqueados dos acusados de participação nas três diferentes frentes de corrupção atribuídas a agentes públicos na gestão de Dárcy Vera (2009-2016). Segundo números recém-divulgados pelo Ministério Público, o valor representa 75% dos contratos fraudados – que nas contas atuais do MPE somam R$ 256 milhões – e 88% do que chegou a sair dos cofres municipais, R$ 216 milhões. As outras duas ações da Operação Sevandija envolvem a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Ribeirão Preto (Coderp) – 21 réus já foram condenados, entre eles nove ex-vereadores, ex-secretários e ex-superintendentes, inclusive Marco Antônio dos Santos e o advogado Sandro Rovani – e o Departamento de Água e Esgotos (Daerp). Nove acusados são réus nesta ação.